A multidão está já à entrada do Palácio de Cartum – onde está sediado o Governo de transição liderado pelo general Abdel Fattah al-Burhane, responsável pelo golpe de Estado de 25 de outubro – procurando retirar os feridos após o lançamento de bombas de gás lacrimogéneo.
Desde as primeiras horas do dia que as autoridades do Sudão estão a tentar bloquear o país: primeiro, silenciaram a Internet móvel, depois as comunicações telefónicas deixaram de funcionar e, finalmente, os manifestantes que planeavam chegar ao palácio presidencial descobriram que, durante a noite, guindastes depositaram contentores nas pontes sobre o rio Nilo.
Ainda assim, os manifestantes resistiram, protestando contra o regime militar e do primeiro-ministro civil, Abdallah Hamdok, que foi reconduzido no seu cargo após o golpe de Estado, após ter concordado com a situação política imposta, nomeadamente a extensão do general Burhane à frente do país por dois anos.
Há menos de uma semana, no terceiro aniversário da revolução que em 2019 colocou um fim a 30 anos da ditadura militar islâmica de Omar al-Bashir, os apoiantes de um regime civil mostraram nas ruas que ainda preservam a capacidade de se mobilizar.
Nessa altura, as forças de segurança dispararam munições reais e bombas de gás lacrimogéneo sobre centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas e, segundo a ONU, chegaram mesmo a recorrer a uma “arma” já usada em Darfur, durante o conflito: o estupro.
Hoje, as autoridades recorreram a outra estratégia, replicando o que tinham feito durante quase um mês, após o golpe de Estado, isolaram o povo sudanês do mundo.
“A liberdade de expressão é um direito fundamental e inclui o pleno acesso à internet”, protestou já hoje o enviado da ONU, Volker Perthes, lembrando que “ninguém deve ser detido por querer manifestar-se”.
Temendo uma nova explosão de violência, o sindicato dos médicos pró-democracia, num comunicado, pediu à comunidade internacional para “estar atenta” aos acontecimentos no Sudão.
Já na sexta-feira, as autoridades de Cartum tinham avisado que as forças de segurança iriam “punir quem infringe a lei e cria o caos”, especialmente aqueles que se organizassem à volta de edifícios do Estado.
O Sudão permanece com um Governo transitório, não reconhecido pela comunidade internacional, condição considerada insuficiente para que a ajuda internacional regresse ao país, um dos mais pobres do mundo.
Para já, existe apenas a promessa, por parte de Abdel Fattah al-Burhane, de realização de eleições livres em julho de 2023, perante a desconfiança dos seus opositores, que já prometeram voltar a manifestar-se em 30 deste mês.
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