“Que se protejam grupos muito específicos de população mais vulnerável, por questões de vulnerabilidade extrema, é uma coisa. Que se faça algo generalizado que impeça os proprietários de disporem do seu património nos termos corretos dos contratos que fizeram, isso é matar completamente” o mercado de arrendamento, afirmou a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, recusando alargar a moratória aos despejos a mais inquilinos.

Em entrevista à Lusa, a governante acautelou que “não renovação de contrato não é despejo” e explicou que o Governo não pode colocar em causa o que dois privados – senhorios e inquilinos - assinaram no âmbito de um contrato de arrendamento.

“Estamos a perder casas para arrendamento todos os dias, porque há outras funções que estão a apelar a muitos proprietários”, sublinhou, alertando para o impacto negativo da ideia de contratos de arrendamento vitalícios.

“No momento em que algo disto acontecer, não temos mais arrendamento em Portugal. […] Temos que balançar sempre: proteger quem está e os mais vulneráveis e a necessidade desesperada que temos, neste momento, de dar resposta a quem não está, porque não consegue estar”, declarou a secretária de Estado, indicando que há “um número crescente de pessoas” a viver em sobrelotação, porque não há oferta.

A situação afeta essencialmente os jovens que pretendem sair da casa dos pais.

Segundo a governante, a solução passa por “mais oferta pública”, em que se destacam o 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação e o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE).

“Por estas duas vias, vamos dar um forte impulso à oferta pública. Achamos é que as necessidades são tão altas no nosso país, neste momento, e 98% do parque habitacional em arrendamento é privado. Ora, é necessário também conseguirmos associar a este esforço público alguns proprietários que estejam disponíveis para aderir a estas novas oportunidades ao nível do arrendamento acessível”, disse.

Sobre o ‘bullying’ no arrendamento, Ana Pinho adiantou que há queixas dos dois lados: inquilinos e senhorios.

“Não só pode haver pressão do lado dos senhorios sobre os inquilinos como no outro sentido, que muitas vezes acontece: se é protegido por lei, não pode tirar o seu arrendatário. Às vezes também temos arrendatários que fazem alguma pressão sobre os próprios proprietários”, revelou.

A maior parte dos relatos são comunicados pelas Juntas de Freguesia, mas são situações “complicadas de contabilizar”.

Relativamente às alterações no exercício do direito de preferência dos arrendatários na transação de habitações, a secretária de Estado considerou que “não tem nada a ver com a questão dos despejos”, avisando que “pode ter, exatamente, o efeito contrário àquele que se está a querer proteger”.

Ana Pinho concorda com direitos iguais para arrendatários em propriedade horizontal e em propriedade vertical.

No seu entender, “se em algum momento os proprietários considerarem que por terem arrendatários poderão ter prejuízos caso tenham que vender o imóvel, isto vai levá-los a fazer contratos mais curtos, a não renovar contratos, a prejudicar as famílias, em particular as mais carenciadas, que nunca sequer teriam acesso à compra, ao exercício do direito de preferência, porque não têm condições financeiras para tal”.

Por isso, lamenta que a proposta do PS sobre a questão tenha sido chumbada.

Questionada também sobre o impacto da regulamentação do alojamento local pelos municípios, a responsável afirmou que “pode ajudar a estancar a perda” de casas no mercado, dinâmica que se deve associar com “incentivos a mais oferta”.

Verba do programa 1.º Direito pode subir consoante projetos submetidos

A verba do 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, estimada pelo Governo em 700 milhões de euros até 2024, “poderá ter de subir”, segundo a secretária de Estado da Habitação.

“Há maior comparticipação, por exemplo, se se apostar em reabilitação, se se fizerem projetos com sustentabilidade ambiental e acessibilidade”, avançou à Lusa Ana Pinho, explicando que o investimento total estimado para dar resposta às cerca de 26 mil famílias em carência habitacional em Portugal é de 1.700 milhões de euros.

Deste montante, a comparticipação a fundo perdido prevista é de 700 milhões de euros.

A verba apresentada para operacionalizar este instrumento integrado na Nova Geração de Políticas de Habitação “é uma estimativa e pode-se revelar que, ao longo do tempo, varie, porque a comparticipação do 1.º Direito é variável”.

No âmbito do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, realizado este ano, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) identificou “cerca de 26.000 famílias em situação habitacional claramente insatisfatória” e estimou que o investimento necessário para responder às necessidades ronde os 1.700 milhões de euros.

“A estimativa inicial do IHRU é exatamente aquela que o Governo está a seguir”, afirmou a secretária de Estado.

Segundo o Orçamento do Estado para 2019 (OE2019), o 1.º Direito vai ter uma dotação de 40 milhões de euros em 2019, 126 milhões de euros em 2020, 154 milhões de euros em 2021, 154 milhões de euros em 2022, 133 milhões de euros em 2023 e 93 milhões de euros no primeiro semestre de 2024, o que corresponde a um total de 700 milhões de euros, destinado a comparticipações não reembolsáveis.

“Há uma parte que é comparticipação não reembolsável, que é a parte que está em Orçamento do Estado [700 milhões de euros], depois há uma parte de empréstimo bonificado que é garantido, mas que não está no Orçamento do Estado, é uma linha de financiamento bonificada do IHRU”, esclareceu Ana Pinho, assegurando que “o Estado está exatamente a usar como estimativa o estudo do IHRU”.

O objetivo do Governo “é extremamente ambicioso”, com a meta de “erradicar as situações de carência habitacional grave até aos 50 anos do 25 de Abril [de 1974, ou seja, até 2024]”.

Para isso, o executivo apela à colaboração de todos os municípios portugueses.

Questionada sobre a verba de 40 milhões de euros em 2019 - que motivou uma proposta do BE para que fosse o dobro, chumbada pelo parlamento –, a secretária de Estado indicou que é preciso ter em conta que é o ano de arranque: os 40 milhões de euros, indicou, “dizem somente respeito à comparticipação não reembolsável, o que quer dizer que alavancam entre 80 e 100 milhões de euros”.

“No ano de arranque, a primeira coisa que tem de ser feita pelos municípios é de submeter as estratégias locais de habitação. Depois, isto é um programa de apoio à habitação, o que quer dizer que, submetidas as estratégias, é preciso fazer as candidaturas para os projetos e […] fazer licenciamento e, depois, arrancar para obras”, esclareceu a governante.

Só existe a execução financeira em contrapartida de pagamento de obras.

No seu entender, “não é realista, dadas as questões de procedimento, considerar-se que no primeiro ano será possível ter uma execução financeira muito superior a isto”.