Num dos documentos, que a Lusa consultou no Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa, o comandante José Mexia Salema informa a hierarquia de um telegrama recebido, em 12 de maio, do governador do distrito de Moçâmedes (Namibe), dizendo que tinha entrado no porto um arrastão russo, mas não referindo o motivo da escala, que só no dia seguinte viria a saber.
“Tratava-se do desembarque de mais um tripulante, para ser operado de apendicite. Pelos vistos é uma doença muito frequente nos barcos soviéticos!”, observa o oficial no documento.
Seguidamente acrescenta estar também na posse da informação de que o tripulante seria recolhido no dia 19 por outro arrastão.
“Entendendo que poderia ser vantajoso, deram-se instruções à fragata Nuno Tristão para fundear em 18 no porto de Moçâmedes e aí permanecer até à saída do referido navio de pesca”, informa o comodoro.
Entretanto, outro navio surgia, o “MANINSIBIRIAK”, desta feita com um tripulante “doente num olho, em virtude de traumatismo”.
Mexia Salema faz as contas às suspeitas. “Com este contam-se cinco os navios de pesca (?) russos entrados no porto de Moçâmedes, mas é curioso que até à data, nenhum dos nossos navios de guerra em cruzeiro conseguiu encontrar-se com qualquer deles, mesmo depois de ter navegado algumas vezes até ao Cunene e ao largo da costa, no sul da província”.
No relatório que, integra um vasto lote de documentos desclassificados pela Marinha, transcreve-se uma carta do governador do distrito recebida naquele Comando Naval.
As informações do comandante são ainda corroboradas pelos serviços de segurança da polícia política do regime, a PIDE, que num boletim de informações datado daquele período informava a Presidência do Conselho e os Ministérios do Ultramar e Defesa Nacional, além da Marinha e do Exército, do envio do inspetor-adjunto da delegação de Luanda para Moçâmedes, com o intuito de “colher mais informações”.
“Estes navios cruzam a nossa costa Sul com demasiada frequência, não havendo maneira de controlar os seus movimentos e é de notar que sendo esta a quarta vez que um navio soviético demanda Moçâmedes não se deu ainda o caso de um deles repetir, sendo sempre navios diferentes, mas todos do mesmo tipo”, lê-se no documemto daquela polícia, também disponível no acervo da Marinha.
A PIDE descreve o “MANINSIBIRIAK” como um arrastão-fábrica soviético e acrescenta que quanto ao tripulante doente, o médico local “nada mais lhe encontrou do que uma simples inflamação do globo ocular, derivada de pancada com objeto duro”. Manifesta ainda suspeitas sobre a intenção de agentes russos fazerem o reconhecimento do porto de Moçâmedes e território circunvizinho, admitindo a possibilidade de “o inimigo” pretender criar “uma nova frente no sul de Angola”, meses depois de estalar a guerra no Norte.
No reporte naval, o camandante Salema dá também conta da partida de “um navio suspeito” de Ponta Negra (Congo).
Citando notícias “dignas de confiança”, a missiva refere que na madrugada de 13 de maio estava pronto para partir para Angola um navio “carregado de armas e possivelmente de combatentes”.
“Descartando a hipótese de o desembarque se efetuar na costa de Cabinda, pois que lhe seria sempre mais fácil passar o armamento através das densas matas da fronteira terrestre, principalmente neste período de forte ondulação, admitiu-se a possibilidade de ele se destinar a qualquer outro porto, no flanco das forças rebeldes entre o Zaire e Musserra (ao Norte de Ambriz) ou para Boma ou Matado”, lê-se na exposição feita ao Estado-Maior.
O oficial informa que, perante as informações recebidas, a decisão foi movimentar a fragata “Diogo Gomes” para cruzar a costa até Musserra e o navio patrulha “S. Vicente” para descer e subir o Zaire.
“Em 14 à noite informaram-me que o navio tinha partido na véspera de Ponta Negra”, escreve o oficial, informando que novamente fora acionada a “Diogo Gomes” e que a Força Aérea “não poude colaborar, senão dois dias depois!”.
As sublevações independentistas contra o poder colonial português ganharam força em Angola no início de 1961, alastrando à Guiné e a Moçambique, num conflito que ao longo de 13 anos provocou largos milhares de mortos de ambos os lados em confronto.
Por: Ana Mendes Henriques, da agência Lusa
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