Para o professor e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, com experiência na análise de assuntos africanos, parte dos confrontos em Cabo Delgado estarão contidos no primeiro trimestre do próximo ano, mas a solução final passa por um acordo com a Tanzânia, país de onde vêm, ou por onde passam e se refugiam, muitos dos combatentes ‘jihadistas’ que hoje operam naquela região de Moçambique.

“É muito provável que no primeiro trimestre do próximo ano parte da guerra, – não do conflito, porque isso é uma coisa muito mais abrangente – esteja contida, mas não resolvida”, afirmou.

Após as derrotas militares, “muitos dos insurgentes vão fugir para o sul da Tanzânia, mas sempre a pensar voltar. Então a solução para a guerra passa por negociações com aquele país”, frisou.

O investigador lembrou que a fronteira norte de Moçambique é toda feita com a Tanzânia, país “onde o conflito [com ‘jihadistas’] não está resolvido”.

Por outro lado, “o governo tanzaniano nunca esteve satisfeito com a forma como foram desenvolvidas as decisões por parte dos consórcios internacionais de gás”, localizando as suas fábricas e outros empreendimentos tudo do lado moçambicano e nada no sul do seu país, destacou.

O que significa que é preciso haver “uma melhoria das relações” entre os dois países, considerou Jorge Cardoso, o que, no seu entender “só é possível se o governo tanzaniano entrar na partilha de alguns dos benefícios do gás”.

Isto, acredita, “interessa ao Governo moçambicano e aos consórcios internacionais, públicos e privados [que vão explorar o gás natural em Moçambique e que estão a realizar na região um dos maiores investimentos em África] fazer algum trabalho neste sentido”.

Por outro lado, Fernando Jorge Cardoso considera também fundamental uma maior participação do Conselho Islâmico de Moçambique na resolução do conflito.

Segundo o investigador, os ‘jihadistas’ islâmicos que hoje operam em Cabo Delgado têm duas componentes. A primeira delas, a original, é composta por “moçambicanos que foram estudar para mesquitas e madrassas [escolas] fora do país, desde os anos 90″ e que quando regressaram ao país “foram ostracizados”.

Uma fação com a qual “o Conselho Islâmico de Moçambique está em guerra aberta”, sendo por isso “um dos principais apoiantes do governo moçambicano e umas das instituições que diz ao executivo moçambicano que deve atuar com mais determinação e com mais força relativamente a estes praticantes daquilo que chamam uma religião falsa”, frisou.

Ora, isto quer também dizer que “a solução a prazo do conflito, que tem uma componente religiosa importante, (…), implica uma maior participação do Conselho Islâmico com o governo moçambicano, no sentido de identificar e anular a presença de mesquitas e a prática deste tipo de ritos, não só em Cabo Delgado, mas também em Nampula”.

Além dos moçambicanos, muitos dos combatentes são estrangeiros, entre os quais muitos provenientes do sul da Tanzânia, que estão desde 2017 em Moçambique.

Desde 2019 que houve “uma declaração por parte do Estado Islâmico que o movimento em Moçambique passava a ser reconhecido como um dos seus braços religiosos armados”, abrindo acesso à rede internacional de financiadores.

Desde então, “a guerra sobe de intensidade” e o governo moçambicano foi surpreendido, considerou, acrescentando que, no mesmo ano, entraram novos ‘jihadistas’ estrangeiros no conflito, combatentes experimentados, particularmente ugandeses, mas também alguns congoleses, e de outras etnias, que se deslocaram, através do sul da Tanzânia.

Passou “a ser usado armamento muito mais sofisticado e o comando das operações é assumido principalmente por combatentes estrangeiros”, afirmou.

Porém, para o investigador português, “com os avanços absolutamente inesperados de forças de elite moçambicanas e o recuo por parte dos insurgentes” nas últimas semanas, talvez possa já nem sequer haver tempo para a intervenção de “uma força internacional em Moçambique, antes do problema ser resolvido”.

Com a época das chuvas em curso, “a guerra tem de ser aérea” e com recurso a “pequenas unidades especializadas de contraguerrilha”.

Estas unidades, segundo o investigador, “estão a ser preparadas há já algum tempo, não só em Nampula, mas noutros sítios” de Moçambique com o apoio não assumido dos EUA e da França.

Grupos rebeldes em Cabo Delgado realizaram ainda esta terça-feira dois ataques simultâneos no distrito de Palma, um dos quais nas redondezas dos megaprojetos de gás natural em Afungi.

Os ataques ocorreram precisamente um dia depois de o presidente moçambicano, Filipe Nyusi, ter pedido às Forças de Defesa e Segurança “máxima prontidão” face ao “silêncio do inimigo”.

A violência armada em Cabo Delgado começou há três anos e está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil deslocados, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.