“Se foi possível vencer a dominação colonial, não será impossível vencer o subdesenvolvimento e os empecilhos que nos impedem de chegar ao desenvolvimento do país”, disse Tcherno Amadú Baldé à agência Lusa, a propósito da celebração dos 50 anos de independência que o país comemora esta quinta-feira.

Para este jovem licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, a residir em Portugal desde 2012, a Guiné-Bissau enfrenta “muitos desafios sociais por resolver, a nível da educação, da saúde” e outras “coisas básicas”.

“O desenvolvimento económico do país continua muito aquém das expectativas. Como qualquer guineense, gostaria de estar a celebrar estes 50 anos numa situação muito melhor do que a atual, seja em termos sociais, de investimento económico do país e também ao nível da segurança”, disse.

E denuncia: “Há evidências de que se tem degradado o nível de segurança que o guineense tem para viver livremente no seu país, e ter as suas liberdades garantidas, de expressão, de manifestação, condicionadas neste momento no seu país, 50 anos desde a sua independência”.

Por esta razão, Tcherno Amadú Baldé considera que o sonho de Amílcar Cabral, considerado o “pai” da independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, ainda “não foi alcançado”.

“Uma das razões da luta [de Cabral e dos seus companheiros] era um país livre e independente e isso não podemos dizer que está concretizado”, prosseguiu.

E lamentou a “instrumentalização das diferenças étnicas e religiosas para os interesses e para as lutas políticas”.

Ainda assim, não tem dúvidas de que “a situação atual é obviamente melhor do que a situação anterior de dominação colonial. Isso, por si, já é um grande ganho que não é comparável com nada; podermos ter a nossa liberdade de lutar e continuar a lutar por um país melhor enquanto guineenses”.

Para a investigadora Isaiete Jabula, licenciada em comunicação social e marketing e mestre em estudos africanos, a Guiné-Bissau “só está a fazer o seu caminho, muitíssimo difícil, mas está a fazer”.

“Talvez seja a herança da luta de libertação, a consequência de lutar 11 anos, de não educar as pessoas na altura”, disse à Lusa, recordando que eram muitos poucos os quadros superiores na Guiné-Bissau aquando da independência.

A investigadora recordou que “uma das causas dos conflitos e da instabilidade política na Guiné-Bissau é a herança da luta de libertação nacional”, frisando que “ainda há territórios com minas da luta colonial, uma herança pesada da luta de libertação.

Isaiete Jabula indicou que existe “muita corrupção” na Guiné-Bissau, onde se assiste a “pessoas ligadas ao Estado a enriquecerem”.

“O Estado é pobre, muito pobre, e as pessoas são mais ricas do que o Estado. É o único país em que as pessoas que trabalham para o Estado são ricas e o Estado é pobre, em que as pessoas que trabalham para o Estado, para os tribunais, têm mansões e o próprio Estado não tem nenhum edifício para funcionar a justiça”, disse.

“Estamos a fazer o nosso percurso, mas este não é nada o país que Amílcar Cabral sonhou, nem que nenhum de nós sonhámos”, insistiu.

A socióloga e escritora Rita Ié elege a liberdade como “a maior de todas as conquistas”.

“Todo o ser humano merece ser livre para fazer as suas escolhas. Da maneira como nós a conquistámos, torna ainda mais importante e faz-nos valorizar ainda mais a liberdade”, disse.

E enalteceu também a apropriação da própria cultura que “é algo bastante positivo, porque a cultura é a identidade de um povo”.

“Os desafios são muitos, acima de tudo afirmarmo-nos como uma nação. Fomos capazes de lutar por algo, a liberdade, mas não nos preparámos para a maneira como vamos ou devemos usufruir dessa liberdade e como podemos dar utilidade ao nosso papel de cidadãos”, acrescentou.

“Eu acho que não estávamos preparados para o que viria depois da independência. Focámo-nos muito em libertar o país, mas não pensámos em como criar um Estado após essa liberdade e dai estarmos a enfrentar até hoje estas crises políticas que fomos tendo ao longo destes 50 anos”, adiantou.

Sobre os protagonistas da política guineense, a escritora considera que “não têm um sentido de Estado”. “Não pensam em nós, na coletividade, e sim na individualidade”.

A independência da Guiné-Bissau foi proclamada unilateralmente a 24 de setembro de 1973, sete meses antes do 25 de Abril. Seria o primeiro país a ver reconhecida a independência por Portugal.

As comemorações oficiais do cinquentenário estão marcadas para quinta-feira, dia das Forças Armadas no país.