O 8 de março já passou, mas o que representa mantém-se todo o ano, porque existem “Mil razões para lutar”, como dizia o lema escolhido para a Manifestação Nacional de Mulheres, iniciativa que o MDM organiza há sete anos, para mostrar a “força e unidade das mulheres na defesa e conquista dos seus direitos".
Mulheres (e homens também) de várias latitudes e geografias seguraram faixas e cartazes, tocaram bombos e gritaram palavras de ordem pela paz e pelo pão, contra o aumento do custo de vida, pela dignidade salarial, pela saúde e pela escola públicas. “Mulher, escuta, o tempo é de luta”, ouvia-se ao megafone, entre as praças dos Restauradores e do Município.
A adesão à manifestação surpreendeu a organização, confessou Sandra Benfica.
Em declarações à Lusa, a dirigente do MDM frisou que “o 08 de março não é uma data simbólica, (…), tão pouco é uma data comercial ou comerciável, como muitos querem tentar fazer, é uma data que continua associada a algo muito fundamental (…): a luta das mulheres por condições de vida e de trabalho dignas numa sociedade contemporânea”.
Colocando a tónica no direito ao trabalho e na degradação das condições laborais, que são “terríveis para toda a população, mas nas mulheres têm um impacto muto específico e profundo”, Sandra Benfica observou: “Nós somos o rosto da precariedade neste país.”
Antes da chegada à zona final do desfile, a manifestação foi saudada com palmas do secretário-geral do PCP e da secretária-geral da CGTP.
Aos jornalistas, Paulo Raimundo evidenciou os “problemas próprios” das mulheres – mais desemprego e precariedade, salários mais baixos, mais prejudicadas pelo aumento do custo de vida e no acesso as serviços públicos.
“Solidário” com as manifestantes, a quem elogiou “a determinação”, o secretário-geral do PCP frisou que uma sociedade “completamente livre e democrática” depende de direitos iguais para mulheres e homens.
A adesão à manifestação dá-lhe “confiança para o futuro”, no sentido de que as pessoas vão “agarrar nas mãos a resolução dos problemas”, referiu.
Reconhecendo que “faltam mais mulheres em todas as vertentes da vida”, incluindo nos partidos, Paulo Raimundo escolheu o aumento do custo de vida e a discriminação salarial e laboral como as principais ameaças à igualdade.
Além disso, “começa a ganhar uma dimensão nova a dificuldade de acesso aos serviços públicos, em particular ao Serviço Nacional de Saúde, que, prejudicando toda a gente, acaba por incidir particularmente nas mulheres e nas crianças”, notou.
Uns metros à frente, a secretária-geral da CGTP, Isabel Camarinha, reconheceu que “as mulheres trabalhadoras têm muitas razões para lutar”, sublinhando que, “para haver igualdade no trabalho, é preciso que haja um aumento geral dos salários, acabar com a precariedade, garantir os direitos”.
A sindicalista não desvaloriza a conquista de “muitos direitos” para as mulheres, alertando, porém, para o hiato entre a lei e a vida quotidiana.
Iniciativa do MDM aberta a todas as pessoas e movimentos que partilhem da exigência de que “os direitos das mulheres não podem esperar”, a manifestação serviu também para apelar à paz.
O lema “Igualdade é agora” foi transmitindo a urgência que juntou milhares de pessoas num percurso que levou mais de duas horas. “Somos muitas, muitas, mil, para continuar Abril”, ouviu-se.
Aos 20 anos, Matilde Lima vestiu o ‘i’ de Mil (razões para lutar) e saiu à rua com outras jovens mulheres para denunciar a desigualdade no trabalho, a violência contra as mulheres.
“Venho defender também os cuidados de saúde, nomeadamente o direito à IVG [interrupção voluntária da gravidez], ao aborto, à educação sexual, que são coisas pelas quais nós, mulheres, temos de batalhar e são essenciais para que possamos atingir a igualdade”, enumerou.
“Os jovens estão alerta para estes problemas. Esta manifestação é a prova disso. (…) Acho que a minha geração até é capaz de ser (…) bastante preocupada e mobiliza-se bastante”, vincou.
Já Otília Ramalho está cansada de lutar há “tantos anos” e de não ver o país a evoluir como gostaria.
“Ninguém quer saber de nada”, lamentou, aos 79 anos, segurando uma faixa a reivindicar mais e melhor saúde.
“Faz-me vir para a rua a miséria que temos, a nível da saúde, da alimentação, não temos condições nenhumas na saúde”, criticou.
Criticando os vários governos, que desde o 25 de abril, deitaram “tudo abaixo”, deixou um desabafo: “Continuamos com o fascismo e o Salazar nunca mais saiu daqui.”
*Por Sofia Branco (texto) e Manuel Almeida (fotos), da agência Lusa
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