A descoberta permitida pelo estudo, bem como por uma análise isotópica e pela datação por radiocarbono do sítio arqueológico de Ranis, no centro da Alemanha, é apresentada detalhadamente em três artigos publicados hoje nas revistas científicas Nature e Nature Ecology and Evolution.
O local, conhecido pelas ferramentas com lâminas de pedra em forma de folha, está entre os mais antigos da cultura humana moderna da Idade da Pedra no Centro-Norte e Noroeste da Europa, indica um comunicado da Universidade da Califórnia, à qual está ligada uma das quatro primeiras autoras do artigo da Nature, Elena Zavala, responsável pela análise genética.
A investigadora estava a fazer o doutoramento no Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology (MPI-EVA), na Alemanha quando começou a trabalhar no projeto, liderado por Jean-Jacques Hublin, antigo diretor do MPI-EVA e professor no Collège de France.
A prova de que o ‘Homo sapiens’ e o ‘Homo neanderthalensis’ viveram lado a lado é coerente com a informação genómica de que as duas espécies se cruzaram ocasionalmente e reforça a suspeita de que a invasão da Europa e da Ásia pelos humanos modernos, há cerca de 50 mil anos, contribuiu para a extinção dos Neandertais, que ocuparam a área durante mais de 500 mil anos.
Datações anteriores indicavam que o sítio em Ranis tinha 40 mil anos ou mais, mas não era claro até agora se as ferramentas encontradas no local tinham sido produzidas pelos Neandertais ou pelo ‘Homo sapiens’.
“A caverna em Ranis tem provas da primeira dispersão do ‘Homo sapiens’ pelas latitudes mais altas da Europa. Os artefactos de pedra que se pensava terem sido produzidos pelos Neandertais faziam, na verdade, parte do ‘kit’ de ferramentas dos primeiros ‘Homo sapiens’”, indica Hublin, citado num comunicado do MPI-EVA.
“O ‘Homo sapiens’ alcançou o Noroeste da Europa muito antes do desaparecimento do Neandertal no Sudoeste (do continente), o que muda fundamentalmente o conhecimento que tínhamos sobre aquela época”, adianta.
As lâminas de pedra descobertas em Ranis são semelhantes às de ferramentas encontradas em vários locais na Morávia (República Checa), na Polónia, na Alemanha e no Reino Unido, que se acredita terem sido produzidas pela mesma cultura, designada de Lincombian-Ranisian-Jerzmanowician (LRJ).
Segundo o comunicado da Universidade da Califórnia, o sítio em Ranis foi inicialmente escavado sobretudo entre 1932 e 1938. A sua importância para a compreensão da cultura LRJ e da transição do Paleolítico Médio tardio (associado aos Neandertais) para o Paleolítico Superior (quando apareceu o humano moderno) na Europa Central levou Hublin e a sua equipa a decidirem reescavar a caverna, entre 2016 e 2022, usando ferramentas de arqueologia modernas.
Treze fragmentos ósseos encontrados nas várias escavações (nove das quais dos anos 1930) foram inicialmente identificados como humanos, através da análise de proteínas ósseas, por outra das primeiras autoras do trabalho, Dorothea Mylopotamitaki, estudante de doutoramento no Collège de France e ex-MPI-EVA,
As análises realizadas por Zavala confirmaram que eram de ‘Homo sapiens’. A cientista “utilizou técnicas especiais para isolar e sequenciar o DNA mitocondrial (mtDNA), herdado exclusivamente da mãe” e descobriu que vários fragmentos, até de escavações diferentes, partilhavam as mesmas sequências do mtDNA.
A comparação das sequências de DNA mitocondrial de Ranis com as de mtDNA obtidas de restos humanos de outros locais paleolíticos na Europa permitiu a construção de uma árvore genealógica dos primeiros ‘Homo sapiens’ no continente.
A equipa de investigadores descobriu que o ‘Homo sapiens’ se aventurou pela Europa sob condições climáticas adversas, semelhantes às atuais na Sibéria e no norte da Escandinávia, e que se movia em pequenos grupos.
“Mesmo estes primeiros grupos de ‘Homo sapiens’ que se dispersaram pela Eurásia já tinham alguma capacidade de adaptação a condições climáticas adversas”, refere Sarah Pederzani, da Universidade de La Laguna, em Espanha, e do MPI-EVA, que liderou o estudo paleoclimático do local.
“Até recentemente, pensava-se que a resiliência a um clima frio só aparecia vários milhares de anos depois, por isso este é um resultado fascinante e surpreendente”, adianta, citado no comunicado do instituto alemão.
Os artigos também descrevem a dieta dos humanos e animais que ocuparam ao longo de milhares de anos a caverna, usada principalmente por ursos em hibernação e por hienas, com presença humana periódica.
Segundo o zooarqueólogo Geoff Smith, da Universidade de Kent e do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, os humanos usavam a caverna “apenas por curtos períodos de tempo” e “consumiam carne de vários animais, incluindo renas, rinocerontes-lanudos e cavalos”.
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