O Consulado-geral de Portugal em Macau e Hong Kong registou um aumento "notável" até maio deste ano no número de pedidos de cidadãos que vivem na antiga colónia britânica e que querem residir em Portugal.

O crescimento já se verificava “há muito tempo, basicamente desde junho do ano passado”, desde que Hong Kong registou grandes manifestações pró-democracia, violentas e com grande impacto social, financeiro e económico, explicou o cônsul Paulo Cunha-Alves.

“Este ano voltámos a ter aumento, que foi notável”, sublinhou.

“As pessoas têm que solicitar um registo criminal e para isso têm de recorrer aos serviços do consulado e é nessa base que temos algumas estatísticas sobre o número de pessoas que têm pedidos ‘vistos gold’ e de residência em Portugal que, entre janeiro e final de maio, terá sido à volta de 1.100″, precisou o embaixador.

O diplomata, contudo, ressalvou que “ainda não é percetível” se estes dados traduzem uma reação ao anúncio da China de que vai impor a Hong Kong a lei da segurança nacional, que já resultou em mais protestos nas ruas e é vista pelos críticos como uma ingerência de Pequim no território semi-autónomo.

Mas, “o sentimento existe: as pessoas que têm meios financeiros, obviamente, tentam fazer pela sua vida e procurar outras alternativas”, argumentou o responsável da missão diplomática portuguesa em Macau e em Hong Kong.

No início deste mês, uma empresa especializada na obtenção de ‘vistos gold’ em Portugal disse à Lusa que os pedidos de informação de residentes de Hong Kong dispararam após o anúncio de Pequim.

“O número de pedidos de informação disparou, temos dezenas de pessoas a ligar todos os dias” porque “toda a gente está muito preocupada com o está a acontecer”, explicou o cofundador da Golden Visa Portugal Limited, Kieron Norris, uma empresa especializada na obtenção de ‘vistos gold’ em Portugal através da venda de imobiliário.

A lei da segurança nacional proíbe “qualquer ato de traição, separação, rebelião, subversão contra o Governo Popular Central, roubo de segredos de Estado, a organização de atividades em Hong Kong por parte de organizações políticas estrangeiras e o estabelecimento de laços com organizações políticas estrangeiras por parte de organizações políticas de Hong Kong”.

Não só os tradicionais residentes de Hong Kong estão interessados em adquirir propriedade em Portugal, mas também muitos expatriados ingleses que vivem em Hong Kong, que devido às incertezas na cidade, mas também do Brexit, não querem regressar ao país de origem e vêm Portugal como um país seguro e tranquilo, adiantaram.

O investimento captado através dos vistos ‘gold’ quase triplicou (192%) em maio, face ao mês homólogo de 2019, para 146 milhões de euros, segundo contas feitas pela Lusa com base nas estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

No mês passado, o investimento total resultante da concessão de Autorização de Residência para Investimento (ARI) atingiu 146.168.473,40 euros, o que representa um aumento de 192% face aos 50 milhões de euros registados em maio de 2019.

Maio registou o valor mensal mais alto de investimento captado desde março de 2017, quando foram angariados 192,4 milhões de euros em ARI. Relativamente a abril (28 milhões de euros), o investimento captado mais do que quintuplicou (421%).

Nos primeiros cinco meses do ano, o total do investimento captado por via dos vistos ‘gold’ totalizou 293.903.059,01 euros, menos 1,7% do que um ano antes. Entre janeiro e maio, foram atribuídos 529 vistos ‘dourados’, dos quais mais de metade no mês passado.

"Obviamente que nos preocupa um pouco"

"Obviamente que nos preocupa um pouco o facto de esta nova legislação poder colocar em causa o princípio 'Um país, dois sistemas'", afirma o cônsul Paulo Cunha-Alves., salientando que a posição de Portugal coincide com aquela que tem sido expressa pela União Europeia.

"A título nacional, teríamos preferido que a adoção da lei tivesse tido lugar por parte das autoridades competentes da Região Administrativa Especial de Hong Kong", sustentou o embaixador.

"Mas também compreendemos" a decisão, ressalvou, lembrando que esse foi um assunto sem resposta política pelas autoridades em Hong Kong, ao contrário do que aconteceu logo em 2009 em Macau, que, à semelhança da antiga colónia britânica, possui o estatuto de região administrativa especial chinesa.

Para o diplomata, "o importante [agora] é que haja diálogo entre as várias forças da sociedade (...) rumo ao desenvolvimento".

As declarações do embaixador foram feitas à margem das comemorações do 10 de Junho - Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

A legislação da discórdia

Pequim quer impor a lei da segurança nacional a Hong Kong, uma proposta aprovada durante o encerramento da sessão anual da Assembleia Popular Nacional, em 28 de maio.

O documento agora apresentado surgiu após repetidas advertências do poder comunista chinês contra a dissidência em Hong Kong, abalado em 2019 por sete meses de manifestações em defesa de reformas democráticas e quase sempre marcadas por confrontos com a polícia, que levaram à detenção de mais de nove mil pessoas.

A UE considerou que o diploma em questão "reduz a autonomia" de Hong Kong e "representa problemas genuínos, políticos e económicos".

Já a China sustentou que a legislação "não coloca em causa" a máxima "Um país, dois sistemas", e que é "apenas uma forma de aumentar a segurança" daquela região administrativa especial com uma lei que "já devia ter sido aprovada".

A antiga colónia britânica regressou à China em 1997 sob um acordo que garantia ao território 50 anos de autonomia e liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio "um país, dois sistemas".

Tal como acontece com Macau desde 1999, para Hong Kong foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judicial, com o Governo central chinês a ser responsável pelas relações externas e defesa.