“Atualmente, a filosofia do plano [face ao que foi a primeira vaga da pandemia do novo coronavírus] é linearmente diferente. Enquanto antes centrámos muito as nossas atenções na covid-19 – e ninguém nos perdoaria se não o fizéssemos –, agora o lema é ‘Cuidar de Todos’. Percebemos que foram feitos erros – não há outra forma de os chamar – ao termos diminuído com forte intensidade a atividade clínica aos doentes não covid”, descreveu o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNG/E), Rui Guimarães.

Em entrevista à agência Lusa, o médico explicou como é que esta unidade hospitalar se tem vindo a preparar para a chamada segunda vaga da pandemia, admitindo que “está aos olhos de toda a gente” que houve quem “ficasse para trás”, razão pela qual sintetiza como “um desafio grande” aquilo que será o futuro “próximo, mas também de médio e longo prazo” deste centro hospitalar.

Em novembro, o Hospital de Vila Nova de Gaia espera abrir a nova unidade de cuidados intensivos, obra orçada em 3,3 milhões de euros que está a ser construída em “tempo recorde” e que terá, numa lógica de ‘open space’ (espaço aberto), 18 camas de nível 3 e 10 de nível 2, estas com a passibilidade de passar ao nível superior se necessário.

Com este investimento – que fazia já parte da face C do plano de obras do CHVNG/E, mas foi antecipado –, este hospital poderá contar com o “número mágico”, como lhe chamou Rui Guimarães, de 40 camas de cuidados intensivos ao somar as novas às atualmente existentes.

“Mas teremos as pessoas disponíveis para trabalhar e ter 40 doentes de intensivos ao mesmo tempo? Claramente não. Não há enfermeiros especializados em cuidados intensivos ou intensivistas desempregados”, desabafou o presidente do conselho de administração, revelando que o plano passa por recrutar junto de especialidades “altamente qualificadas”, voltando ao tal “grande desafio”, o de não desfalcar um lado para privilegiar o outro.

Já a nova urgência, uma aspiração antiga e que faz parte da fase B do plano de obras do CHVNG/E e que foi visitada a 20 de agosto pelo primeiro-ministro e pela ministra da Saúde, abrirá “em breve” estando atualmente a aguardar a chegada de equipamentos, um processo de receção que a covid-19 também atrasou.

A título de exemplo, Rui Guimarães contou à Lusa que alguns aparelhos aguardados são provenientes da Grécia ou de outros países europeus que, tal como Portugal, que já contabiliza pelo menos 80.312 casos confirmados de infeção, se veem a braços com esta pandemia.

A nova urgência do CHVNG/E terá cerca de 5.000 metros quadrados, enquanto a atual tem 1.900.

“Será uma resposta importante. Mas não a que resolverá todos os problemas. Costumo dizer: o CHVNG/E até pode ter 500 ventiladores disponíveis, mas nunca vão ser suficientes se o comportamento das pessoas não acompanhar as respostas montadas na saúde e o empenho das equipas”, disse Rui Guimarães.

Lamentando que Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, se mantenha “insistentemente” no “mau ‘ranking’ nacional” da covid-19, o presidente do conselho de administração acredita que este facto está ligado ao número de habitantes (mais de 300.000), aos movimentos pendulares e ao “forte tecido empresarial”, mas “eventualmente também, e apesar de todas as campanhas do hospital ou da câmara local, a comportamentos de risco que não são exclusivos deste ou daquele concelho”.

Rui Guimarães sublinhou a ideia de que travar o contágio não é apenas tarefa de quem tem batas brancas, contando que o CHVNG/E registou uma taxa de infeção pelo novo coronavírus abaixo dos 3%, o que corresponde a 122 profissionais num universo que ultrapassa os 4.000.

“E a esmagadora maioria contraiu a covid-19 na fase inicial, quando estávamos todos a aprender, ou em contexto extra laboral. Hoje percebemos que quem esteve verdadeiramente na linha da frente, que são desde o segurança aos administrativos, conseguiu passar pelo pico epidémico sem se infetar. E não estava com escafandro ou dentro de um aquário de vidro. Percebemos que as medidas que fomos capazes de adotar – lavagem das mãos, distanciamento, etiqueta respiratória e uso de máscara – resultam. Essas medidas estão à mão do comum cidadão”, descreveu.

Quanto à capacidade de testagem, o CHVNG/E faz, em média, 1.000 testes/dia, estando preparado para fazer 5.000 em caso de necessidade.

Desde meio de março, quando foi adaptada a testes ao novo coronavírus uma máquina até aqui dedicada às dádivas e transfusões de sangue, este hospital realizou cerca de 50.000 testes.

A pandemia de covid-19 já provocou mais de um milhão e cinquenta mil mortos no mundo desde dezembro do ano passado, incluindo 2.032 em Portugal.

Pandemia redesenha metas das listas de espera do Centro Hospitalar Gaia/Espinho

O Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho quer chegar ao final do ano com menos doentes em lista de espera para consultas e para cirurgia, metas que a pandemia da covid-19 obrigou a redesenhar.

“No ano passado propusemo-nos a acabar com os doentes com mais de um ano de espera para consulta. Não nos orgulhávamos disso. Conseguimos esse objetivo (…). Definimos uma nova meta, ainda mais agressiva: ninguém ficaria à espera por mais de seis meses. Janeiro e fevereiro foram espetaculares. Estávamos com níveis de atividade recorde em toda a história do hospital. Depois foi uma desgraça. Tudo se complicou muito. [A meta dos seis meses] deixou de ser exequível”, disse o presidente do conselho de administração do CHVNG/E, em entrevista à agência Lusa.

A “desgraça” a que Rui Guimarães se refere dá pelo nome de pandemia de covid-19, uma realidade à qual já nenhum hospital ou setor de atividade do país ou do mundo está alheio e que levou o CHVNG/E a redesenhar metas e a fazer apostas novas.

“Vamos tentar que no final do ano não haja ninguém há mais de um ano à espera de uma cirurgia e uma consulta, em vez dos seis meses que gostaríamos, passou à meta dos nove. Os próximos meses serão decisivos porque é preciso equilibrar tudo com a resposta à covid-19”, disse Rui Guimarães.

O médico reconhece que “o desafio é enorme” porque a fase de retoma conjugada com a permanência de um vírus que circula trouxe aos hospitais a necessidade de fazer consultas, mas não permitir que as pessoas se acumulem nas salas de espera.

“E o inverno está à porta e com chuva. Os utentes tardam em perceber a necessidade de chegar à consulta das 10:00 à hora certa e não às 08:00. Isso continua a acontecer. Ou porque o filho deu boleia quando ia para o trabalho ou porque o médico até é capaz de atender rápido e mais vale estar na sala de espera (…). Esta dinâmica é difícil de contrariar, mas estamos a fazer esforços”, referiu.

A este propósito, Rui Guimarães descreveu o “triangulo perigoso” do CHVNG/E: “Desde logo a falta de orçamento, transversal a tantos hospitais. E a juntar à acessibilidade, que tem vindo a melhorar, temos a questão infraestrutural. As chamadas ‘obras de Santa Engrácia’, obras sucessivamente anunciadas e adiadas que nos retiram credibilidade junto da população”, lamentou.

No que diz respeito a listas de espera para consultas, Rui Guimarães aponta dermatologia, ortopedia e oftalmologia como os “três Reis Magos que mais se atrasam todos os anos para o Natal”, mas conta que “o compromisso das várias equipas – e não são só as clínicas, mas quem faz marcações também – já começa a dar frutos”.

“[O último] agosto, nas primeiras consultas, foi o melhor mês de agosto dos últimos 10 anos. Realizámos 11.500 primeiras consultas. Já cirurgias de ambulatório foram 1.020. Na cirurgia convencional, o aumento foi de 13.3% em relação a agosto de 2019”, enumerou.

Quanto à demora média de internamento, um indicador que, além de associado à disponibilidade de camas, está atualmente cada vez mais associado à exposição ao risco, esse era “sempre superior a oito dias” nos últimos 10 anos.

“Neste agosto foi de 6,86 dias”, contou o responsável, destacando aqui o papel da hospitalização domiciliária, uma unidade criada no CHVNG/E em 2018.

“Estes números são inspiradores porque agosto, mês em que todos estávamos esgotadíssimos e associado tradicionalmente ao gozo de férias, sucederam-se índices de retoma muito bons. Não nego que há programas de incentivo e pagamentos adicionais, mas muitas vezes o dinheiro já não chega, ou seja, isto significa que as equipas se disponibilizaram ao sábado e domingo para poder recuperar as listas de espera”, frisou.

Ainda sobre metas e medidas recentes levadas a cabo num ano que pela pandemia se tem revelado diferente a todos os níveis, Rui Guimarães descreveu à Lusa que o CHVNG/E está também focado no apelo à vacinação contra a gripe sazonal e que o hospital regista agora “mais do dobro de inscrições [dos seus profissionais] para a vacina do que no ano passado”.