“Ou seguimos neste caminho, numa lógica de mercado, e caminhamos para uma Terra fornalha, ou temos a capacidade de fazer mudanças para uma Terra estabilizada. Esta é a encruzilhada que temos pela frente”, avisou o filósofo e professor, ligado a causas do ambiente e da justiça e direitos humanos, no início de um ciclo de conferências dedicado à “Sociedade do séc. XXI: Desafios sociais, geracionais, políticos e económicos”, organizado pela Academia das Ciências de Lisboa.

Numa intervenção na qual falou de ambiente e da justiça entre gerações, Viriato Soromenho-Marques começou por lembrar a jovem ativista sueca Greta Thunberg, que, disse, representa milhões de jovens que se interrogam sobre que futuro vão viver e citou-a para falar do chamado “paradoxo da juventude contemporânea”, dos jovens que nascem num lugar onde lhes é permitido sonhar e ter tudo e que podem não ter nada, “provavelmente nem um futuro”.

“A crise ambiental é uma espécie de teste limite a uma ética e uma justiça entre gerações”, afirmou, salientando que o tempo atual, de crise climática, de crise energética, é na verdade uma crise de “dimensão existencial”.

É, disse, uma crise de dimensão planetária, sem qualquer local imune a ela, uma crise irreversível, ligada a “forças poderosíssimas, naturais”, e uma crise em aceleração.

E é também uma crise que leva a uma fuga à realidade, por isso são eleitos líderes como Donald Trump (Estados Unidos) ou Jair Bolsonaro (Brasil), escolhidos por esse “impulso para fugir das dificuldades” e não olhar para elas.

É na verdade, disse Soromenho-Marques, uma crise diferente de qualquer outra, que a humanidade nunca viveu e que nem por isso está a enfrentar.

Essa “falta de vontade de mudar as coisas”, tomando decisões para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e proteger a biodiversidade foi uma das críticas ao longo de toda a conferência, com Soromenho-Marques a dar como exemplo a campanha eleitoral para as eleições legislativas do mês passado.

“Chegou a ser escandaloso, o conceito de crescimento ocupou o palco, como se estivéssemos no século XIX”, disse, considerando que o discurso foi “medieval” e "de ignorância", e de “um profundo desrespeito pelas gerações futuras”.

Hoje vive-se, disse, na "era da tecnociência, das empresas onde as pessoas trabalham para produzir novas mercadorias que possam ser úteis e vendáveis, à espera que a tecnologia as salve, à espera de uma aplicação que resolva o problema da crise climática".

“As coisas não funcionam assim”, advertiu, apontando que as empresas “colocam os lucros à frente da sobrevivência da Humanidade”, e que nem na esfera económica nem na política se vê vontade de mudar “o rumo das coisas”.

E “as coisas” mudam-se com mais cooperação, mais responsabilidade pelo futuro, mais humildade para ouvir os sinais do mundo, e com uma mudança do estilo de vida, por decisão das pessoas e não porque são obrigadas a isso.

Lembrando ainda que o mundo enfrentou duas guerras no século passado, Viriato Soromenho-Marques disse que hoje o que está em causa é a possibilidade de se perderem as condições que levaram ao crescimento da civilização humana.

“Não conseguimos perceber que o que está em causa é a nossa própria existência como espécie. Estamos a viver não daquilo que a ciência nos ensinou, mas como se as leis da economia fossem mais sólidas do que as leis da física”, concluiu.