O diretor do Museu de Serralves, João Ribas, apresentou na sexta-feira a demissão, porque "já não tinha condições para continuar à frente da instituição", segundo disse o próprio, na altura, ao jornal Público.

Em causa está uma exposição dedicada ao fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, comissariada por Ribas, depois de a administração de Serralves ter limitado a maiores de 18 anos uma parte da mostra, e ter imposto a retirada de algumas obras com conteúdo sexualmente explícito, segundo noticiou o jornal.

"A minha primeira reação é de estranheza, porque é uma exposição que esteve a ser preparada durante mais de um ano, e houve tempo suficiente para a administração e o diretor terem trocado impressões e porem-se de acordo - ou não -, mas com as consequências tiradas em devido tempo sobre como conduzir a exposição", opinou Luís Raposo, contactado pela agência Lusa.

Para o responsável, "ter-se chegado à véspera ou mesmo depois disso, para que se assuma publicamente uma situação de rotura, não é compreensível".

"Temos de esperar mais tempo porque há relatos contraditórios entre o diretor demissionário e a administração. Manda a cautela e o bom senso que se aguarde para ter um pleno esclarecimento do que se passou", aconselhou o presidente do ICOM-Europa.

No entanto, ressalvou que "é muito frequente nos museus por toda a Europa, e no mundo, que, em situações excecionais, determinado tipo de peças, sejam antigas ou de arte contemporânea, possam ter cuidados especiais na forma como são apresentadas ao público, como no caso de sexo explícito".

Deu como exemplo os frescos com sexo explícito descobertos em Pompeia - cidade do império romano, em Itália, quase totalmente destruída por um vulcão - que durante muitos anos foram interditos a menores de idade, e que hoje são visitáveis por todas as pessoas, com um aviso.

"A questão não é só da arte contemporânea. Surge em qualquer época, e há obras de todos os tempos com estas características", disse, sobre os frescos com mais de dois mil anos.

No entender de Luís Raposo, "não é criticável que os museus possam ter medidas cautelares, de aviso, no limite, de interdição, mas de caráter muito excecional".

Não apenas imagens de sexo explícito, mas também obras que defendam o racismo, por exemplo, ou "outros valores contrários ao sentimento básico de dignidade humana".

Antes da inauguração, a Lusa questionou João Ribas sobre se considerava que algumas imagens da exposição poderiam vir a surpreender ou até a chocar o público. João Ribas declarou que estas foram mostradas em dezenas de museus no mundo inteiro e que Mapplethorpe é “uma das grandes figuras da fotografia” e “um artista conceituado que continua a ser influente na fotografia contemporânea”.

“Não consigo fazer essa projeção”, acrescentou, referindo que uma exposição tem sempre a função de despir o público de preconceitos.

Para o presidente do ICOM-Europa, quem deve tomar as decisões sobre as exposições são as equipas dos museus: "Os conservadores e diretores devem ter a liberdade total para esse tipo de avaliação, e também de ter a liberdade de errar. E depois tirar as conseguências que sejam legítimas".

Questionado se deve haver uma interferência da administração nesta matéria disse: "Não deve haver intervenção da administração em termos prévios, ou se houver, que seja num nível tal de temporalidade que permita antecipar, e em devido tempo - o que agora aconteceu já poderia ter ocorrido antes, se tivesse havido diálogo com a administração, no caso do diretor concluir que não tinha condições para fazer a exposição como entendia".

Nas declarações ao jornal Público, o próprio diretor artístico de Serralves tinha dito anteriormente que, nesta retrospetiva, não haveria "censura, obras tapadas, salas especiais ou qualquer tipo de restrição a visitantes de acordo com a faixa etária".

Num comunicado difundido no sábado, o Conselho de Administração da Fundação de Serralves afirmou que “não retirou nenhuma obra da exposição”, composta por 159 fotografias, “todas elas escolhidas pelo curador”, João Ribas.

A administração acrescenta ainda que, “desde o início, a proposta da exposição foi apresentar as obras de cariz sexual explicito numa zona com acesso restrito”, afirmando que considerou “que o público visitante deveria ser alertado para esse efeito, de acordo com a legislação em vigor”.

Hoje, à entrada de uma das salas da exposição, está uma placa com a indicação: “Dado o caráter sexualmente explícito de obras expostas nesta área, o acesso à mesma é reservado a maiores de 18 anos e a menores acompanhados dos respetivos representantes legais”.

Contudo, num primeiro aviso, afixado no mesmo local, no final da semana passada, lia-se: “Alertamos para a dimensão provocatória e o caráter eventualmente chocante da sexualidade contida em algumas obras expostas. A admissão nesta sala está reservada a maiores de 18 anos”.

De acordo com a Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), "as exposições de arte não carecem de classificação etária".

Segundo a legislação existente, como recorda a IGAC, esta classificação está direcionada apenas para "espetáculos de natureza artística", como "representações ou atuações nas áreas do teatro, da música, da dança, do circo, da tauromaquia e de cruzamento artístico", assim como "outras récitas, declamações ou interpretações de natureza análoga", a par da "exibição pública de obras cinematográficas e audiovisuais".