“A chuva do ciclone veio também assim”, lembra Anastácia José, apontando para o este, o sentido da entrada do ciclone para o continente, que deixou devastadas as províncias do centro de Moçambique, com os piores danos na cidade da Beira.
Viveu durante 21 dias, primeiro em salas de aulas e depois em tendas, num centro de abrigo no bairro Trangapasso, nos arredores de Chimoio, até o lugar ser desativado pelo governo, quando regressou a casa, reconstruída com novos blocos de argila, o mesmo material que se dissolveu com as águas das chuvas, desabando sua única habitação.
O “meu receio é que a chuva estrague os blocos antes de eu levantar as paredes desabadas” revela à Lusa Anastácia José, sobre o medo do mau tempo que se forma, o primeiro a atingir Chimoio desde a passagem do ciclone idai a 14 de março.
Um outro sobrevivente do ciclone, Marcelino Fopenze, olha também para a chuva que cobre Chimoio, com a mesma incerteza sobre o que pode vir acontecer com as meias paredes da sua casa, agora em reconstrução.
“Enquanto estava no centro de acolhimento já batia blocos. Minha casa já esta formada, e mais algumas fiadas chego a cobertura” diz à Lusa Marcelino Fopenze
“Agora a coisa que menos preciso é chuva, porque enquanto eu não cobrir, será um trabalho em vão”, explica.
Fopenze, a semelhança de vários desalojados do ciclone idai em Chimoio regressaram aos bairros de origem, para reorganizar a vida e muitos estão a recorrer ao mesmo material precário – blocos de argila, estacas e plásticos – para construir em solos arenosos e de barro, os mais fustigados pelas chuvas.
“Viver no centro já não era viável. Era preciso se movimentar em ‘biscates’ para garantir a sobrevivência da família” disse à Lusa Paulo Mariano, outro sobrevivente, adiantando que “não existe outra opção, que construir tudo como antes, nos mesmos terrenos, porque faltam recursos para melhorar”.
O governo desativou no início de abril vários centros de acomodação em Chimoio e Dombe (Sussundenga), devolvendo à proveniência 19 mil pessoas afetadas pelo ciclone Idai.
Vários centros de acolhimento ficavam desertos durante o dia, pois os seus “inquilinos” iam reconstruir as habitações durante o dia, e só regressavam as tendas para pernoitar, testemunhou a Lusa nos locais.
Uns deixaram os centros por iniciativa própria, por considerar os lugares de não cómodos para gestão familiar, mas outros, nem tanto, foram forçados a sair dos locais, para dar lugar a aulas.
“Era mais preferível voltar a vender bananas em molho e ter uns 10 meticais (13 centavos de euro) por dia, que ficar à espera duma refeição, por vezes incerta e noutras vezes, era simples papa de soja” desabafa à Meque Lourenço, um outro sobrevivente.
Agora quase todos lutam contra a especulação de preços, com o pão, arroz e sal a dispararem a cada dia que passa, devido à falta de produtos.
Pelo menos 10 estabelecimentos comerciais foram multados em Manica desde a passagem do ciclone Idai, por especulação de preços, que “tornam ainda mais caras as aldeias (atingidas pelo ciclone)”, que têm Chimoio como principal mercado para se abastecer, explica à Lusa, Arnaldo Naico, porta-voz do governo de Manica e diretor provincial da Indústria e Comércio.
O ciclone Idai atingiu a região centro de Moçambique, o Maláui e o Zimbabué em 14 de março.
Em Moçambique, o ciclone provocou mais de 600 mortos, mais de 1600 feridos e afetou mais de 1,5 milhões de pessoas, segundo o mais recente balanço.
[Por André Catueira, da agência Lusa]
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