"Somos a única instituição desta natureza em Portugal que alcançou este reconhecimento por parte da Santa Sé para um projeto de conservação e restauro", salientou, à agência Lusa, a presidente da direção da Irmandade, Eunice Costa.

A campanha de restauro, prevista pela Irmandade, da igreja e o convento localizados na rua 1.º de Maio, em Alcântara, inclui a sacristia, edificada por um flamengo no século XVII, a "sala do Rosário", e conta com mecenato da sociedade civil.

A sacristia, explicou Eunice Costa, é "integralmente revestida a telas de Bento Coelho da Silveira [1617-1708], e a arcazes [arcas com gavetões] com características excecionais, únicas na diocese de Lisboa".

Está também prevista a recuperação do antecoro, ou a denominada "sala do Rosário", que se destaca pela "temática das pinturas que ostenta".

Esta dependência "possui as paredes revestidas a silhares [blocos lavrados] de azulejo azul e branco, flanqueados por cariátides [esculturas femininas de suporte], com decorações de festões, acantos e cartelas centrais, rodeadas por querubins, contendo símbolos repetidos, as cinco chagas, as insígnias franciscanas, o cordão da ordem e a alusão às três ordens franciscanas [frades menores, clarissas e a Terceira de S. Francisco]", referiu a responsável.

Eunice Costa salientou ainda, na sala, as "telas envolvidas por talha dourada, tendo teto em gamela [abobadado], dividido em painéis pintados figurativos, e pavimento em ladrilho".

Esta "sala do Rosário" é "um dos poucos exemplares existentes em Lisboa sobreviventes ao terramoto, enquanto obra de arte total", disse Duarte Serrano, membro da Irmandade, citando o investigador João Miguel Simões da Universidade de Lisboa, que escreveu que esta "Sala do Rosário" foi concebida "como uma 'obra de arte total', onde talha, imaginária, pintura e azulejos transmitem em conjunto uma mensagem que importa compreender".

A recuperação da talha e tetos da igreja está também prevista. As paredes da igreja estão rebocadas e pintadas de branco, tendo um teto de estuque de João Grossi (1715-1780) e duas telas de Pedro Alexandrino (1729-1810), com a representação de Nossa Senhora.

As paredes são revestidas por silhares de azulejos historiados que contam a fuga das freiras flamengas para Lisboa, perseguidas pelas tropas protestantes.

Sobre estes silhares de azulejos, o historiador Raymond Fagel, da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, afirma tratar-se de "uma história pictórica maravilhosa que também mostra como um texto do século XVII sobre uma história do século XVI pode ser transformado em uma obra de arte do século XVIII".

O convento de Nossa Senhora da Quietação, também conhecido por das Flamengas, situa-se na zona lisboeta do Calvário, e foi mandado construir por Filipe I, de Portugal (II de Espanha), para acolher as freiras clarissas neerlandesas de Alkmaar, fugidas da perseguição religiosa protestante, que encontraram acolhimento na capital de um país católico.

O historiador neerlandês realça num texto, a que a Lusa teve acesso, "a importância da igreja e dos edifícios do convento adjacentes para a história de Portugal, dos Países Baixos e da Europa em geral".

O monumento, de traça barroca, é, segundo o historiador de arte João Miguel Simões, "um dos conventos mais interessantes da capital", sendo o único no mundo cujo orago (padroeiro) é Nossa Senhora da Quietação.

Sob a jurisdição da Irmandade conserva-se ainda um órgão histórico, do último quartel do século XVIII, para o qual se "estão a preparar diligências para a sua recuperação e devolução ao culto, e eventualmente a concertos", disse o investigador Francisco Cidoncha Redondo.

A Irmandade tem igualmente à sua guarda "a maior coleção [de pintura] de Bento Coelho da Silveira existente em Portugal", referiu João Paulo Barradas, presidente da assembleia-geral da Irmandade.

Além das telas de Bento Coelho da Silveira, conserva ainda pinturas de outros autores, e das próprias religiosas do convento.

Para Raymond Fagel, "a igreja e o convento, juntamente com os vestígios literários e artísticos, transformam Nossa Senhora da Quietação num monumento cultural único na história, e a isso poderia ser adicionado o facto de que o convento foi, durante muito tempo, protegido pela família real portuguesa".