"Quando chegar ao centro da aldeia olhe para cima que vai encontrar a grua", responde Anabela Louro, em Mosteiro, Pedrógão Grande, quando questionada sobre o caminho para as obras de recuperação de uma casa de pedra que ruiu no incêndio de 17 de junho de 2017.
O mesmo sucede ali ao lado, mas já em Vila Facaia, também concelho de Pedrógão Grande. Na aldeia de Pobrais, uma das mais atingidas pelas chamas (que mataram 11 habitantes e reduziram a escombros habitações e explorações agrícolas), a grua serve de ponto de referência.
Onde há gruas, há trabalhadores de construção civil, camionetas de transporte de material que atravancam as ruas estreitas, barulho de obras. Há pessoas que param e ficam à conversa, formando pequenas rodas de gente, uma animação fora do vulgar em terras muito marcadas pelo despovoamento e onde raramente se encontra uma criança.
Fernando Paiva, que está a recuperar uma casa de pedra no alto da aldeia, dá outra pista para orientação dos visitantes. "Se estiverem perdidos, sigam as carrinhas dos trolhas, acabam sempre por encontrar o caminho para algum lado".
O reformado e a sua mulher Conceição enfrentaram o incêndio naquele dia terrível, conseguindo salvar a sua casa de habitação. Mas a casa ao lado, também sua propriedade, acabou consumida pelas chamas. A recuperação começou há pouco mais de três meses e atrai vizinhos e visitantes, com a conversa a acabar sempre nas recordações daquele dia terrível.
No dia do grande fogo, o casal tentou encontrar proteção na sede do concelho, mas o que encontraram na estrada nacional 236-1 levou-os a desistir. Naquela estrada, onde morreram 47 pessoas, Conceição viu coisas que quer esquecer, e que são cicatrizes tão dolorosas como a que tem no braço, provocadas pelas chamas. "Nem gosto de falar nisso", remata.
O movimento nas aldeias de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos vem confirmar os números oficiais sobre a recuperação das casas, que apontam para que todas as primeiras habitações afetadas pelo fogo de Pedrógão Grande estão em obra ou concluídas.
Um ano após os incêndios de 17 de junho de 2017, que mataram 66 pessoas e provocaram 250 feridos, já foram entregues aos respetivos proprietários 156 casas recuperadas, segundo dados da Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI).
Todas as primeiras habitações afetadas pelo fogo estão em obra ou concluídas, garantiu também o ministro do Planeamento durante uma visita à zona afetada, esta semana.
Os fundos para a reconstrução estão a ser encaminhados através do programa Valorizar, criado pelo Governo logo após os incêndios, mas uma parte importante foi assegurada por dádivas de algumas empresas e pelo empenhamento da Cáritas.
"Desde há seis meses que não paramos. Temos feito obras de recuperação um pouco por todo o lado, quase sempre primeiras habitações", explica um pequeno empresário de construção civil do concelho vizinho de Ansião. Como ele, há muita gente na região que lançou pequenos negócios de construção civil, "aproveitando a maré", como explica. "Mas isto não vai durar", vaticina.
Em Mosteiro, meia dúzia de trabalhadores recuperam uma casa de segunda habitação. O que resta das paredes e fundações da casa original permite concluir que a nova casa é maior e será certamente mais confortável. Os donos nasceram na aldeia, mas moram em Coimbra.
"A casa ardeu, não havia ninguém para lutar por ela", constata Constantino Dinis, um vizinho que mora duas centenas de metros mais abaixo. No dia do grande fogo, Constantino e a mulher, Gorete, não obedeceram à ordem de saída das autoridades e ficaram na aldeia, lutando com o que tinham à mão para evitar que as chamas consumissem a sua residência.
Os terrenos à volta apresentam ainda manchas castanhas por entre o verde que desponta com a força da primavera, as árvores queimadas na colina foram entretanto substituídas pela plantação de árvores autóctones promovida por uma associação local que tem a sede na antiga escola primária, desativada por falta de crianças. Mas a casa de Constantino e Gorete continua de pé e é fácil de encontrar: o jardim está decorado com o que resta dos carrinhos de choque e os cavalinhos de feira de uma empresa de carrosséis.
"Foi assim que ganhámos a vida, nas feiras e romarias, de norte a sul, toda a nossa vida", explica Gorete. Que fecha a conversa com um sorriso conformado: "A vida continua".
Contudo, as Câmaras de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, um ano após os incêndios de junho de 2017, têm uma preocupação em comum: a falta de ajudas para a recuperação das segundas habitações afetadas.
Câmaras preocupadas com falta de apoio para segundas habitações
Um ano após os incêndios que mataram 66 pessoas e provocaram 250 feridos, além de incalculáveis prejuízos em empresas e floresta, os autarcas, Valdemar Alves, Jorge Abreu e Alda Carvalho, presidentes das Câmaras de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, respetivamente, fizeram à agência Lusa um balanço e em quase tudo se mostram de acordo.
Os três concordam que os apoios disponibilizados pelo Estado foram os possíveis e realçam o papel que a Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) tiveram em todo o processo de recuperação dos concelhos.
Já quanto à recuperação das primeiras habitações, Valdemar Alves diz que, para ele, "todas as casas são primeiras habitações", enquanto Jorge Abreu e Alda Carvalho preferem realçar a importância que os proprietários das segundas habitações têm nas economias locais, sendo que todos ainda esperam que haja algum tipo de ajuda para estas situações.
A presidente de Castanheira de Pera, que na altura dos fogos não era ainda líder do concelho, defende também que ao nível da limpeza da floresta as autarquias deviam ter uma linha de apoio financeiro para aquisição de equipamentos.
"Os municípios deveriam ter uma linha que lhes permitisse, inclusivamente, comprar equipamentos para poderem os próprios fazer face aos encargos financeiros que vão ter. Em municípios desta dimensão, vamos ter aqui alguns problemas financeiros, mas estamos de corpo e alma para os resolver e para os ultrapassar", concluiu.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos afirma também que o Governo fez o que nunca tinha sido feito ao nível dos apoios, mas adianta que isso só aconteceu porque houve um abandono do Interior.
"Nos apoios estatais, nós temos que ser realistas. O Governo fez aquilo que nunca foi feito. Ou seja, houve apoio que nunca tinha havido. Mas, também temos que considerar que acontece porque houve o abandono do Interior por parte dos governos ao longo dos anos", disse Jorge Abreu.
O autarca entende que, após a tragédia dos incêndios de 2017, o Interior foi colocado "em cima da mesa".
Já Valdemar Alves, de Pedrógão Grande, considera-se satisfeito pelos apoios estatais recebidos e realça que é preciso ter consciência da potencialidade económica do país.
Empresas: um quarto dos apoios já foi pago
Cerca de um quarto dos apoios aprovados às empresas afetadas pelo grande incêndio de Pedrógão Grande já foi pago, informou esta semana o Ministério do Planeamento e Infraestruturas.
De acordo com o documento enviado à agência Lusa, já foram pagos 3,5 milhões de euros de um total de 15 milhões de euros de apoio a conceder às empresas afetadas pelo fogo de junho de 2017, que provocou a morte a 66 pessoas e mais de 250 feridos.
Segundo o Ministério do Planeamento e Infraestruturas, até ao momento foram aprovados "apoios a 49 empresas que sofreram danos", que representam um total de investimento de 26 milhões de euros.
Para além destas 49 empresas, estão ainda em análise oito candidaturas, "que solicitam um apoio de 1,1 milhões de euros", refere o Governo.
Pedrógão Grande apresenta 24 empresas com candidaturas aprovadas (18,8 milhões de euros de investimento), seguindo-se Figueiró dos Vinhos, com 13 empresas (1,89 milhões de euros), e Castanheira de Pera, com oito (4 milhões de euros).
No mesmo documento, em que é feito um balanço com dados reportados a 06 de junho, assinala-se que 60% (157) das 261 habitações permanentes afetadas pelo incêndio já estão reconstruídas e 38% (99) estão em execução.
"As situações mais atrasadas em termos de obra [cinco casas] resultam da dificuldade de se obter acordo entre os proprietários e as entidades financiadoras ao nível do projeto de execução e dos custos de intervenção. Verificaram-se ainda situações em que os proprietários inicialmente decidiram não solicitar a reconstrução das casas, mas que o vieram a fazer mais tarde, já no ano de 2018", explica o Ministério do Planeamento e Infraestruturas.
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