Foi na manhã mais movimentada da semana: examinou “entre 800 a 900 dentes” que de outra forma nunca teriam uma consulta porque na Guiné-Bissau faltam especialistas e há famílias que preferem remédios caseiros.
Lavar os dentes com carvão em pó e sal, com um dedo a fazer de escova, é um desses hábitos.
A sensação abrasiva dos grãos faz crer numa limpeza a fundo, mas o desgaste é tanto que a dentição perde esmalte e as gengivas ficam feridas, alerta Inês Silva.
No entanto, as cáries “são o principal problema”, queixa-se a dentista, voluntária da organização portuguesa sem fins lucrativos Mundo a Sorrir, coordenadora da intervenção na Guiné-Bissau.
A situação parece melhor que noutros países lusófonos, mas ainda há “muitas crianças com menos de seis anos com os dentes completamente destruídos, abcessos e muitas dores que os obrigam a faltar à escola”, descreve.
Este cenário é agravado no interior da Guiné-Bissau, onde há regiões com dificuldade em ter escovas, pastas com flúor ou médicos dentistas.
Lavar os dentes pode muito bem ser uma das receitas para desenvolver o país e é por isso que, antes de cada rastreio, Inês Silva e a enfermeira Dália Santos juntam miúdos e graúdos em ações de sensibilização.
“Um copo com água, uma escova e pasta, para lavar os dentes é o que me basta”, é o refrão da música que todos cantam várias vezes até a rima ficar na cabeça.
Nisto de fazer rastreio aos dentes “algumas crianças assustam-se, mas depois aceitam com naturalidade” a consulta e os hábitos de escovagem, conta Adriana Justino, coordenadora do Programa de Educação Pré-Escolar (PEPE).
Este programa de missionários da Convenção Batista Brasileira é um dos parceiros da Mundo a Sorrir na Guiné-Bissau, com muita fé na capacidade preventiva destas intervenções.
Seis crianças que passaram pelo rastreio e receberam uma dose de flúor na dentição (dada a cada seis meses) precisam de tratamento e as famílias vão ser avisadas — no caso mais grave já se perdeu metade dos dentes devido a açúcar em excesso e falta de escovagens.
No futuro, a Mundo a Sorrir espera poder atendê-las gratuitamente numa clínica que vai começar a construir em Bissau.
Uma clínica móvel está entretanto pronta a funcionar fora da capital.
O material cabe numa mala de viagem e vai ser operado pelos voluntários que estão regularmente a passar pelo país.
Tudo somado resulta em “realização pessoal e profissional” refere Dália Santos, 36 anos, enfermeira no Hospital de Santo António, no Porto, que abdicou das férias para estar na Guiné-Bissau, suportando parte das despesas.
“Em Portugal, tenho tudo à mão para fazer enfermagem. Aqui é um desafio conseguir ajudar outra pessoa” e capacitar novos profissionais, refere.
Um trabalho que é um “bem maior” sempre “gratificante”, conclui Inês Silva.
As cáries que se cuidem porque nos próximos meses vai haver sempre voluntários da Mundo a Sorrir na Guiné-Bissau, que, além da capital, vão visitar as regiões, incluindo as ilhas.
Luís Fonseca/Lusa
Comentários