Enquanto centenas de apoiantes inconformados do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro invadiam e vandalizavam, no passado domingo, 8 de janeiro, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), nos grupos "bolsonaristas" de WhatsApp e Telegram a mensagem mais partilhada era a de um vídeo a dizer que havia "petistas" infiltrados entre os manifestantes, e que seriam estes a deixar o rasto de destruição que depois se verificou.

Um dia depois do assalto às sedes do poder legislativo, executivo e judiciário do Brasil esta teoria da conspiração dominava estes grupos, escreve a Folha de S. Paulo, citando dados recolhidos junto do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

E quem seriam, segundo as teorias não comprovadas, estes infiltrados? Partidários ou simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, de Lula da Silva, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra "disfarçados de patriotas" e até criminosos.

"A maior parte das mensagens nos grupos bolsonaristas imputa todas as agressões à esquerda e aos movimentos sociais", diz ao jornal Marie Santini, coordenadora do NetLab. Mas, nota, "eles já vêm preparando essa narrativa desde novembro".

Mensagens a sugerir que "petistas" estavam a preparar a invasão ao Congresso e ao Supremo Tribunal para colocar as culpas em bolsonaristas estão a circular nestas redes sociais desde o final das eleições brasileiras, que deram a vitória a Lula da Silva, refere o NetLab.

Paralelamente, no rescaldo das invasões, circularam mensagens a organizar mais autocarros com destino a Brasília, a organizar protestos em refinarias e paralisações, e a lamentar o "abandono" das Forças Armadas, que não apoiaram o que deveria ter sido um golpe de estado. Havia ainda "pessoas comemorando o ataque e querendo ir além nos protestos de domingo", diz Marie Santini.

Estes grupos foram utilizados ao longo das últimas semanas para organizar os protestos à eleição de Lula da Silva um pouco por todo o país e o assalto aos três poderes que teve lugar este domingo, muitas vezes debaixo da referência "Festa da Selma" — um termo usado para escapar a monitorização de mensagens. A compra de máscaras respiratórias chegou a ser sugerida como "fantasia" para a Festa da Selma, exemplifica a Folha.

Hoje, Lula da Silva criticou a atuação dos agentes de segurança no domingo, durante uma reunião com governadores e representantes dos 27 estados do país, juízes, ministros e políticos. “Havia uma conivência explícita da polícia apoiando os manifestantes. Mesmo aqui no Palácio [do Planalto], soldado do Exército brasileiro conversando com as pessoas como se fossem aliados”, disparou o presidente brasileiro.

Lula reafirmou que pelo menos 1.500 pessoas foram detidas após os atos violentos em Brasília e disse que o Governo irá esforçar-se para investigar todos os envolvidos em atos de vandalismo. Serão ainda investigados os financiadores tanto das caravanas de autocarros que os levaram a Brasília como dos acampamentos montados na frente de quartéis em todo o país, que foram desmontados por ordem da Justiça nesta segunda-feira depois de mais de dois meses de mobilização contra o resultado eleitoral.

Ainda no domingo a Polícia Militar conseguiu recuperar o controlo das sedes dos três poderes, numa operação que se prolongou por várias horas. Esta invasão começou depois de militantes da extrema-direita brasileira terem convocado um protesto para a Esplanada dos Ministérios.

Entretanto, o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes afastou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por 90 dias, considerando que tanto o governador como o ex-secretário de Segurança e antigo ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres, já demitido, terão atuado com negligência e omissão.