Todos os signatários da “Carta da Habitação” – que apresentava aquelas que eram então as “principais preocupações associadas à problemática da Habitação e do Habitat” e foi subscrita por dezenas de organizações e pessoas em nome individual “dos mais variados quadrantes” da sociedade – foram contactados “com a ideia de criar uma grande Assembleia da Habitação”, explica ao 7MARGENS Daniel Lobo, membro da Comissão Justiça, Paz e Ecologia (CJPE) dos Institutos Religiosos de Portugal, uma das entidades promotoras da Carta. “Nem todos puderam participar, e não se seguiu ainda a ideia da Assembleia da Habitação, mas criou-se um grupo a que chamamos Grupo Habitação e Habitat”, revela.

“Estamos no início da nossa colaboração, mas pretendemos ser ponte para uma visão e intervenção de esperança, mais justa, pacífica e integral, ao serviço do bem comum, com particular atenção aos que estão em situação de precariedade habitacional e migratória”, acrescenta o arquiteto urbanista.

Além da CJPE, integram o Grupo Habitação e Habitat a Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), a Cáritas Portuguesa, a Cáritas Diocesana de Lisboa, o Centro Padre Alves Correia (CEPAC), a Pastoral dos Ciganos – Secretariado Diocesano de Lisboa, o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), os investigadores Gonçalo Antunes e Rogério Roque Amaro, o ativista pelo direito à habitação António Ricardo, e o padre Eduardo Novo, da Congregação dos Marianos da Imaculada Conceição.

Tendo já realizado dois encontros, o grupo identificou como ação prioritária “conhecer as soluções de alojamento social oferecidas e apoiadas pelas organizações da Igreja Católica em Portugal, começando pelos Institutos Religiosos”. Com esse fim, elaborou um questionário que visava “realizar uma primeira prospeção sobre o interesse e disponibilidade dos Institutos Religiosos em participar num levantamento nacional da sua oferta de alojamento social, mas também de serviços de pastoral social e serviços para migrantes, refugiados e requerentes de asilo”.

Reconhecendo que a crise habitacional exige uma intervenção que vá além da mera provisão de alojamento, o GHH pretende também obter, com este questionário, “um primeiro enquadramento dos desafios e necessidades que as organizações enfrentam nestas áreas, avaliar o seu interesse em diferentes soluções propostas no GHH e recolher contributos sobre como mitigar a crise habitacional e reforçar a pastoral social principalmente em contextos de precariedade habitacional e migratória”, destaca Daniel Lobo. “No fundo, procurámos formas de fazer primeiro o ‘trabalho de casa’ começando pela Igreja”.

Pode dizer-se que esta primeira ação foi bem acolhida. “Obtivemos 124 respostas, num universo de 137 Institutos Religiosos presentes em Portugal, o que foi muito bom. Estamos agora na fase de tratamento e análise dos dados recolhidos”, adianta o representante da CJPE ao 7MARGENS.

Igreja ao lado das vítimas concretas

A crise habitacional e as violações do direito à habitação estão no centro das preocupações da CJPE, que tem denunciado casos concretos de despejos injustos e apoiado famílias em situação de vulnerabilidade, como a de Beatriz Barbeta, que o 7MARGENS noticiou em julho de 2024. Na passada quinta-feira, 20 de março, a Comissão marcou presença na vigília em solidariedade com as mães que correm o risco de perder os seus filhos devido à falta de uma solução habitacional digna, e já no dia 15 de março havia participado no início da grande Marcha dos Bairros, promovida pelo Movimento Vida Justa.

“Nos contextos onde trabalhamos, alguns de nós da CJPE dão-se conta de vários casos desta natureza, seja de pessoas que recebem RSI e abono, ou desempregadas, ou que recebem salários baixos (como o ordenado mínimo), que não têm forma de pagar uma renda no mercado privado, que não tiveram ainda acesso a habitação pública, e que se veem forçadas a ter de conseguir alguma forma de abrigo, seja ocupando casas devolutas, construindo um abrigo em algum bairro precário, partilhando em sobreocupação habitações públicas, privadas ou também abrigos precários e em último caso a ter de ficar sem abrigo”, partilha Daniel Lobo.

Pessoas essas que “por vezes são despejadas sem alternativa, sem conhecimento concreto da situação da família despejada, sem respeito pela sua proteção legal e social, às vezes em pleno inverno, famílias com doentes, idosos, crianças e bebés, mães sozinhas…”, lamenta o arquiteto urbanista.

Mas para o representante da CJPE e do GHH não restam dúvidas: “Não havendo resposta de emergência para todos, capaz de ultrapassar isto, e por vezes sob ameaça da retirada dos filhos menores, algumas famílias não têm outra hipótese que não denunciar publicamente o que lhes está a acontecer, procurando ajuda onde for possível. Sabendo do panorama geral do mercado de trabalho onde se inserem estas pessoas, da falta de soluções públicas, privadas e do terceiro sector para dar resposta a estes casos, não será certamente só por negligência dos pais, e muitas vezes das mães sozinhas, que não têm acesso a condições adequadas de habitabilidade”.

“Não será também, e por vezes até mais, por negligência das políticas de habitação, das políticas laborais e de
migrações, dos mercados privados? De todo um sistema e contexto que cria estas situações?”, questiona Daniel Lobo, para concluir que “num sistema económico e habitacional com falhas estruturais, a legalidade nem sempre coincide com a justiça social, sobretudo quando não há soluções viáveis no mercado e a oferta pública é insuficiente”.

Recordando que estas e outras questões haviam já sido colocadas na “Carta da Habitação”, o arquiteto reconhece que, passados mais de dois anos, “é difícil saber ao certo o impacto que teve” essa iniciativa. Mas “foi uma forma de estarmos mais ao lado de quem vive nas periferias e que está a lutar pelo direito à habitação, à cidade e aos bens essenciais, procurando ajudar a dar voz a este coletivo do qual também nos sentimos parte”, assegura.

Foi também a partir dela que nasceu o Grupo Habitação e Habitat, do qual se espera que nasçam novos frutos brevemente. Até lá, a CJPE promete continuar atenta e apela “às comunidades cristãs e à sociedade em geral para que se façam ouvir”, nomeadamente através da assinatura de uma petição pública que visa exigir que as políticas públicas respeitem a dignidade humana e cumpram a legislação vigente.