António Neves vai voltar a reencontrar os colegas da sua turma do 4.º ano nas salas de aula da Escola Artística de Música do Conservatório Nacional (EAMCN), em Lisboa. Mas este regresso terá um sabor diferente ao da maioria dos 370 mil alunos do 1.º ciclo. É que António faz parte do grupo de estudantes que tiveram aulas presenciais durante o ensino à distância devido à pandemia de covid-19.
No verão passado, o Governo decidiu que as escolas poderiam receber os alunos caso considerassem que o regime à distância não era eficaz.
No conservatório, as aulas individuais de instrumento dadas através de uma plataforma digital revelaram-se um desafio difícil de ultrapassar, até para os alunos.
“Aqui na escola não há falhas na Internet, estou a ver o professor e o piano é muito melhor do que o meu”, contou à Lusa António Neves, 9 anos.
Os pés de António Neves não chegam ao chão nem aos pedais do piano de cauda, ficam suspensos, enquanto toca a música da aula. Ao lado, o professor Helder Entrudo consegue acompanhar todos os movimentos e corrigir posturas.
“Há situações em que o aluno está a tocar num determinado ritmo e aquilo que é processado na plataforma ‘online’ é um ritmo totalmente diferente”, explicou à Lusa o professor de piano de António Neves.
Também o professor de clarinete Rui Martins admitiu dificuldades durante as aulas à distância: “A partir de determinado registo o som extingue-se. O aluno está a tocar, mas ouve-se silêncio”.
A possibilidade de reabrir a escola e retomar presencialmente as aulas individuais de instrumento foi pedida por pais, desejada pelos alunos e aplaudida pelos professores, contou à Lusa a diretora do conservatório, Lilian Kopke.
Por isso, as portas da escola recebem todos os que queriam ter aulas individuais de instrumento: uns porque sentiam dificuldades, outros porque não tinham forma de estudar em casa, como Benjamim Louro.
Na sala do órgão de tubos, o menino de 10 anos suspendeu a aula para falar com a Lusa: “Em casa não tenho órgão, tenho um piano”, contou Benjamim, explicando que “quando se toca numa tecla do piano, o som não fica para sempre, mas no órgão fica”.
O professor de órgão António Duarte foi um dos que pediu à direção que as aulas individuais de instrumento pudessem ser presenciais.
O receio de contágio não travou o desejo de aprender nem ensinar. As regras de distanciamento e higienização dos espaços são levadas a sério. Os pianos, por exemplo, são desinfetados entre cada aula, contou o professor Helder Entrudo.
Além disso, há painéis separadores nas salas. Mesmo as aulas de instrumento de sopro, que poderiam causar maiores inseguranças porque implicam não usar máscara, foram retomadas há duas semanas.
Sara Almeida é uma das alunas de clarinete que optou pelo presencial. A jovem de 13 anos é filha de uma enfermeira do Hospital Santa Maria e o seu professor, Rui Martins, garantiu não ter medo: “Sinto-me seguro. Temos acrílicos separadores, temos portas e janelas que podemos ter abertas”.
Para Rui Martins a pandemia e o confinamento trouxeram problemas mais graves à aprendizagem dos instrumentos de sopro, como o aumento de queixas de vizinhos quando estão a tocar em casa.
“O clarinete tem as suas características e tem sido muito complicado estudarem por causa do ruído que provocam na vizinhança. Estão muito condicionados. Não podem estudar a qualquer hora nem quando lhes apetece. Tem havido muitas queixas”, lamentou.
À diretora do conservatório também têm chegado muito mais relatos de problemas com os vizinhos e por isso a escola tem permitido aos alunos usar as instalações para estudar.
A estes juntaram-se as visitas “muito pontuais” dos que ainda precisam da ajuda dos professores para afinar os seus instrumentos. Liliam Kopke tem mapas com as entradas e saídas de todos para que não haja aglomerações. “Sabemos sempre quem está na escola”.
Na segunda-feira, os alunos do 1.º ciclo regressam para ter todas as aulas presenciais. E, nos últimos dias, os funcionários ultimavam os preparativos para que tudo decorra com a maior normalidade possível.
A escola recebeu uma tenda de lona branca que instalou entre dois edifícios e que servirá para as crianças terem aulas de Expressão Dramática e Coro.
A disciplina de coro, por exemplo, chega a juntar 30 alunos e como “a tenda pode ficar toda aberta não será preciso suspender essas aulas”, explicou a diretora, acrescentando que um grupo de funcionários se disponibilizou para construir o chão da tenda.
Todos os dias da semana, das oito da manhã às oito da noite, as portas do conservatório estão abertas e vão continuar a receber também os estudantes do ensino secundário e profissional, que estão neste momento a fazer as gravações na escola para o ingresso ao ensino superior.
Todos reconhecem que o trabalho aumentou, mas ninguém parece arrependido.
“Para nós professores e falo por mim foi uma satisfação imensa poder estar dentro de uma sala de aula. Os alunos também têm expressado esse mesmo sentimento”, contou à Lusa Helder Entrudo.
A aluna Sara Almeida confirma que prefere ter aulas presenciais: “Temos a segurança de que temos alguém para nos ajudar a superar as dificuldades”.
Além disso, a partilha também conta: “Em casa estamos mais fechados, pensamos mais em nós, só. Aqui sempre podemos falar com os nossos professores sobre outras coisas”, desabafou a aluna de clarinete.
Sara Almeida vai continuar a ir à escola, mas só irá reencontrar toda a sua turma nas salas de aula quando recomeçar o ensino presencial para o 3.º ciclo, a 5 de abril.
Até lá, têm carta-branca para continuar a ter as aulas individuais de instrumento na escola, assim como todos os alunos que o desejem, garantiu a diretora.
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