“Esta máquina é uma grande mais-valia para nós, como sistema penitenciário. Primeiro porque não temos de retirar o recluso para beneficiar do mesmo serviço fora do estabelecimento penitenciário, segundo porque em pouco tempo temos o resultado. Ele tira o raio-X, em menos de cinco minutos já temos o resultado”, explicou à Lusa Cremilde Anli.
A médica moçambicana é diretora nacional do Serviço dos Cuidados Sanitários (SCS) do Serviço Nacional Penitenciário (Sernap), que desde julho conta com uma ferramenta que em minutos tira a radiografia ao recluso, analisa a amostra e conclui, com recurso à análise por IA, se indicia ser positivo para tuberculose.
“Um deles só, tendo tuberculose, é suficiente para que todo o pavilhão tenha. E temos pavilhões com cerca de 400 pessoas”, exemplificou, demonstrando desta forma a utilidade da ferramenta que está a ser utilizada nas três penitenciárias de Maputo desde julho, com 4.500 testes já realizados e resultados na hora.
Financiado em 600 mil dólares (556 mil euros) pela iniciativa Stop TB Partnership, apoiada pelas Nações Unidas, o projeto foi desenvolvido pela organização internacional Health trough Walls (HtW) e envolve o Sernap e a Penitenciária Preventiva da cidade de Maputo, a Penitenciária Especial de Máxima Segurança de Maputo e Penitenciária Provincial de Maputo.
Esta última é a maior do país, embora não o devesse ser, reconhece Cremilde Anli: “Está com uma capacidade instalada de 800 camas, mas estamos neste momento a rondar 3.400 reclusos. Embora tenha uma capacidade reduzida, temos o maior número de reclusos ao longo do país (…) É por isso que as nossas atenções estão todas viradas este estabelecimento”.
Miranda Brouwer, médica neerlandesa, assegura a monitorização e avaliação independente deste projeto em Moçambique e explicou à Lusa as vantagens deste projeto inovador, durante a visita à maior cadeia moçambicana: “Ajuda bastante porque não há suficientes radiologistas no país para analisar ou ler todas as radiografias”.
Desde julho que diariamente o tripé da máquina de raio-X portátil é montado nas penitenciárias de Maputo e os reclusos fazem fila para os respetivos testes.
“Em todo o país há cerca de 300 pessoas [reclusos com tuberculose]. Desde julho, em Maputo, identificámos 66”, sublinha Cremilde Anli.
O projeto pretende combater a tuberculose nas penitenciárias moçambicanas e começou a ser desenvolvido em 2021, também com o apoio da Associação de Reabilitação e Integração Social, prevendo rastrear 6.000 reclusos em 21 meses.
“A situação dentro das cadeias é complicada, é favorável para a doença se transmitir para outras pessoas. Então, detetar logo após entrar na cadeia é muito importante para prevenir para que os outros apanhem a doença”, refere Miranda Brouwer.
Os reclusos que testam positivo seguem depois para uma enfermaria que concentra e isola em poucos metros quadrados, igualmente sobrelotada, os vários doentes com tuberculose do mesmo estabelecimento.
“Nas três penitenciárias já testámos todos os reclusos. Neste momento estamos a atender aqueles que ‘fugiram’ na primeira ronda e também aos entrados [novos reclusos]. Fugiram porque acontece, isto é um estabelecimento penitenciário, os reclusos nem sempre aderem”, reconhece a diretora nacional do SCS.
Nos primeiros três meses chegaram a ser feitos 150 testes por dia, agora, na segunda ronda, são quase 60.
Os reclusos que testam positivo iniciam pouco depois um tratamento de duas fases, inicialmente de forma intensiva, durante 60 dias, com isolamento, e após isso seis meses de “manutenção” do estado.
“O que preocupa o setor é a tuberculose multirresistente, porque é aquela que dificilmente é tratada. A tuberculose sensível nós sabemos que seis meses depois a pessoa já pode voltar ao convívio normal”, explica Cremilde Anli, reconhecendo que ainda é difícil “convencer” os reclusos a adotar alguns comportamentos preventivos para a doença, desde logo o uso de máscara em determinadas situações.
Ivan Calder, diretor-executivo da HtW, explicou à Lusa que Moçambique junta-se a projetos do género que a organização já tem no Haiti e na República Centro-Africana, embora de dimensão da população reclusa muito inferior.
“É absolutamente o maior”, apontou, reconhecendo que a rapidez na deteção, sem necessidade de especialistas em radiologia para análise, é o trunfo desta ferramenta: “A IA é muito útil na deteção de doenças quando temos forças de trabalho reduzidas, neste caso particularmente radiologistas (…) Num minuto dá-nos a indicação do diagnóstico, o que é incrível. Quer dizer que podemos iniciar o tratamento imediatamente, logo após a confirmação bacteriológica”.
A HtW justifica a escolha de Moçambique para este projeto, o primeiro que desenvolve no país, pela “abertura” do serviço prisional à mudança, à inovação e à defesa dos direitos humanos e espera que não se fique pelas três penitenciárias de Maputo.
“Mas o nosso objetivo não é tomar conta. É entrar, mostrar capacidades e tecnologias e recuar, ver o país a seguir em frente nos cuidados públicos de saúde”, concluiu Ivan Calder.
O objetivo do Sernap é levar o rastreamento a todas cadeias, garante Cremilde Anli: “Estamos a estudar outras possibilidades de como expandir esta atividade para os outros estabelecimentos, considerando que em pouco tempo é possível fazer o diagnóstico da tuberculose e sabemos que este é um ‘calcanhar de aquiles'”.
*Por Paulo Julião (texto) e Luísa Nhantumbo (fotografia), da agência Lusa
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