"A 7.ª arte perde uma das figuras mais populares, um ator que soube fazer tudo, sem se levar demasiado a sério, de filmes de ação até às mais belas horas do cinema de autor", acrescentou a agência francesa de notícias, recordando Bébel, como era conhecido, "o seu sorriso devastador, o seu nariz de pugilista e a sua agilidade inimitável".
Belmondo foi o símbolo da modernidade da 'nouvelle vague', em filmes como "O acossado" e "Pedro, o louco", de Jean-Luc Godard, mas foi também o gangster de "Borsalino", o agente dos filmes de ação que se transformaram em campeões de bilheteira.
A sua interpretação de Michel Poiccard, a personagem do pequeno criminoso do filme fundador da 'nouvelle vague', que se transforma em assassino e permanece em fuga, dá corpo a um anti-herói provocador, diferente dos estereotipos de Hollywood, em que se inspirava o própio Godard, como destacou a agência espanhola Efe, na biografia do ator.
Na derradeira longa-metragem, "Un homme et son chien", de Francis Huster, rodada em 2008, quase 50 anos depois, Belmondo, fisicamente marcado pela doença, assume o papel de um velho sem casa, a tentar sobreviver com o seu cão, num dilema entre a vida e a morte.
O cinéfilo português João Bénard da Costa, antigo presidente da Cinemateca Portuguesa, recordou-o entre as figuras "Muito lá de casa", lado a lado com a atriz Anna Karina, em "Uma mulher é uma mulher". O escritor Mário Dionísio foi sensível ao ator de "Pedro, o louco", "o homem que se rebela contra o seu próprio desmembramento".
Nascido em 09 de abril de 1933, no subúrbio parisiense de Neuilly-sur-Seine, Jean-Paul Belmondo cresceu a preferir o boxe amador às aulas em colégios privilegiados, até entrar no Conservatório Nacional de Artes Dramáticas de Paris, encetanto o caminho para uma carreira que não abandonou os palcos, mas que foi dominada pelo cinema, e que se prolongou por cerca de meio século.
Antes de "O acossado", estreado em 1960, desempenhou personagens secundárias de Anouilh, Feydeau e George Bernard Shaw, no teatro e no cinema. Um pequeno papel no filme "Un Drôle de Dimanche", de Marc Allegret, visto pelo então crítico dos 'Cahiers' Jean-Luc Godard, abriu-lhe as portas para a longa-metragem que marcou a emergência da 'nouvelle vague' e o afirmou como um dos principais rostos do cinema francês.
Seguiram-se outros filmes como “Uma mulher é uma mulher” e “Pedro, o louco”, de Godard, “O Ladrão de Paris”, de Louis Malle, “A sereia do Mississipi”, de François Truffaut, que escrevera o argumento de "o acossado", e o encontro com atrizes como Jean Seberg, Anna Karina, Catherine Deneuve, Claudia Cardinale e Sofia Loren.
Na década de 1970, impõem-se os filmes de ação. Há "Borsalino", de Jacques Deray, ao lado de Alain Delon, sucedem-se "O profissional", "Medo sobre a cidade", "O incorrigível", "O implacável", "Polícia ou ladrão", "Às dos ases", "O marginal", "Os destemidos", "O golpe do génio".
Em 1988, foi distinguido com um César de Melhor Ator, pelo desempenho em “Itinerário de uma vida”, de Claude Lelouch, o seu último grande sucesso no cinema. Foi a sua única nomeação e a sua única conquista nos equivalentes franceses dos Óscares, apesar da popularidade do ator.
Na década de 1990, interpretou Jean Valjean em "Os Miseráveis", de Lelouch, e entrou nos anos 2000, com uma reflexão sobre "Os atores", dirigida por Bertrand Blier, pouco antes de um acidente vascular cerebral, em 2001, o ter afastado dos palcos e dos écrãs. Voltaria em 2008, para "Un homme et son chien".
Em 2011, o Festival de Cannes deu-lhe a Palma de Ouro honorária e, em 2016, o Festival de Veneza, em Itália, atribuiu-lhe o Leão de Ouro de Carreira.
Em 2017, debilitado, recebeu o César honorário, sob uma ovação dos seus pares que durou minutos e só se suspendeu para o ouvir evocar sua mãe, a pintora Sarah Rainaud-Richard, e o modo como o levou a superar as críticas iniciais, pelo rosto alheio aos padrões de beleza: "Tens de ter coragem", conselho que Belmondo garantiu ter seguido. "Nunca me faltou coragem, e é por isso que estou aqui".
A morte de Belmondo vira "uma página importante no cinema francês", afirmam hoje profissionais do setor, citados pelas agências, recordando o ator Jean Dujardin, que o considerava "um dos últimos heróis", e Steven Spielberg, que chegou a confessar a inspiração nas atribulações de Belmondo em "O Magnífico", de Philippe de Broca, para Indiana Jones.
O Festival de Veneza evocou, "com grande afecto e admiração", o intérprete original do espírito de modernidade da 'nouvelle vague'.
"A sua generosidade como homem e como actor criou alguns dos maiores momentos da história do cinema", disse, por seu lado, o diretor do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, na sua conta do Twitter, acrescentando: "Obrigado, Jean-Paul. Adeus Magnífico".
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