“Campeão das causas perdidas”, é assim que o jornal britânico ‘Telegraph’ o descreve. Aos 68 anos, Jeremy Corbyn quer levar novamente os trabalhistas ao poder no Reino Unido, apesar de ter quase tudo contra ele: os deputados do próprio partido, a imprensa.
A BBC, emissora pública do Reino Unido, diz que a eleição de Corbyn, em setembro de 2015, para a liderança do Labour, o Partido Trabalhista, foi “uma das maiores desilusões na história política britânica”.
A obsessão dos media britânicos pelo candidato às legislativas desta quinta-feira (8 de junho) chamou até a atenção da emissora catarense Al Jazeera, que deixa um alerta: “a forma como a história está a ser acompanhada pode muito bem ser um fator no resultado final”.
Quando foi eleito líder do Labour, há dois anos, David Cameron, que à época estava à frente do governo e do partido de direita dos Tories, dizia que Corbyn era uma ameaça: uma ameaça à segurança nacional, uma ameaça à economia, uma ameaça às famílias britânicas.
Chegou ao topo do partido à custa dos apoiantes, que pagaram três libras para votar online. É que as elites do Labour temem que as ideias de Corbyn, que veem como um desastre, nunca sejam levadas a sério pelos britânicos e por isso não o têm apoiado. Ele que foi contra o sentido de voto do partido mais de 400 vezes. Mas, quem é afinal este homem?
Jeremy Bernard Corbyn nasceu a 26 de maio de 1949 em Chippenham, Wilsthire, a 154 quilómetros de Londres. Cresceu numa família da classe média inglesa e é o mais novo de quatro irmãos. Os pais, David e Naomi, conheceram-se em Londres, num encontro para apoiar os Republicanos na Guerra Civil Espanhola. Estávamos em 1936. Os três irmãos de Corbyn, como os pais, tornaram-se cientistas. Piers, meteorologista, é talvez o mais mediático.
Aos 15 anos, o jovem Jeremy juntou-se à campanha pelo desmantelamento nuclear. Aos 16, entrava para as fileiras de apoiantes do Labour. Depois de falhar as provas de acesso à universidade, foi para a Jamaica, integrado no Serviço Voluntário Ultramarino, onde deu aulas de geografia.
Vivendo ao lado da vida sul-americana, Corbyn apaixonou-se pelo continente - e deu de caras com as injustiças do mundo. Em 1970, estava no Chile para a eleição de Salvador Allende. A paixão pela América Latina, pelas lutas da América Latina, entranhava-se nele.
Casou três vezes. A segunda mulher era chilena, a terceira mexicana. A primeira era britânica: Jane, que conheceu, depois de regressar ao Reino Unido, nas lutas sindicais onde se envolveu.
Já nos anos 1970, foi eleito, com a mulher, para ser conselheiro na freguesia de Haringey, em Londres. Depois de uma campanha juntos, foram eleitos a uma quinta-feira, casaram no sábado seguinte - e o gato ficou com o nome do primeiro-ministro trabalhista: Harold Wilson.
Até ser eleito líder do Partido Trabalhista, Corbyn era visto como um veterano da esquerda, um homem em protesto eterno pelas injustiças, contra as intervenções militares mundo fora, contra os males inatos do capitalismo. Porém, quando fala dele próprio, Jeremy Corbyn nunca se descreve preto no branco. A imagem que se vê é raramente é a que ele emana.
Em junho de 1983, o Labour sofreu a mais pesada derrota da sua história moderna. Os conservadores, com Margaret Thatcher à cabeça, seguraram mais uma vez o poder (Thatcher foi eleita pela primeira vez em 1979) e o Labour, que tinha dado uma guinada à esquerda, afundava-se.
Nesse dia 9 de junho, Corbyn, então com 34 anos, foi eleito deputado na câmara baixa do parlamento britânico, a House of Commons (Câmara dos Comuns), pelo círculo de Norte de Islington. Ao lado estava outro trabalhista, quatro anos mais novo: Tony Blair, que rejuvenesceu o partido e o levou para o centro, afastando-o do socialismo arreigado.
A vanguarda trabalhista renovou-se. O partido passou a ser o New Labour, ou Novo Trabalhista, e Tony Blair chegou ao topo do Labour em 1994. Para trás ficaram as ideias de desmantelamento nuclear, de propriedade pública das indústrias. A fazer as vezes delas, novas políticas abraçaram o mercado livre, apertaram o cerco ao crime.
O partido saiu da esquerda, pôs-se no centro. E três anos depois, o Labour chegava ao governo, com Tony Blair à cabeça. Era o fim de um interregno de 18 anos.
Corbyn, contudo, manteve-se contra a evolução do partido. E por 428 vezes, ao longo de treze anos de liderança trabalhista no executivo, votou contra o sentido de voto do próprio partido. Todavia, com os trabalhistas a segurarem a maioria no parlamento, as manifestações de Corbyn eram irrelevantes.
Depois da segunda derrota consecutiva do Labour, em 2015, porém, tudo mudou. Os conservadores de Cameron mantinham-se no poder, mas no seio do Partido Trabalhista, uma luta arrancava para decidir que líder e que partido seria a oposição aos Tories.
Uma vitória de Corbyn não estava nos planos. Apesar de colher o voto dos apoiantes do partido, os deputados trabalhistas continuam a não vê-lo com bons olhos. Foi uma das primeiras reviravoltas inesperadas em eleições nos últimos anos: Jeremy Corbyn acabou por ganhar com mais de metade dos votos.
Quando Corbyn ganhou, David Cameron, então primeiro-ministro conservador, disse que a eleição do novo líder trabalhista, em setembro de 2015, torna o partido "uma ameaça". "O partido trabalhista agora representa uma ameaça à nossa segurança nacional, à nossa segurança económica e das nossas famílias", escreveu na sua conta no Twitter.
Também o então ministro da Defesa Michael Fallon tinha feito declarações semelhantes dias antes, logo após a vitória do Jeremy Corbyn, triunfalmente eleito como chefe trabalhista com 59,5% dos votos.
Antimilitarista, Jeremy Corbyn defendia o desmantelamento dos submarinos nucleares Trident britânicos, opondo-se também à operação da NATO, o que podia complicar o projeto de David Cameron para encontrar um consenso no Parlamento para desencadear ações na Síria contra o grupo Estado Islâmico.
"Eu não estou convencido de que essas ações na Síria tragam outra coisa que não a morte de civis", declarou o Jeremy Corbyn. Durante a campanha das primárias, o líder trabalhista revelou também a sua intenção de, se fosse eleito, pedir desculpas pela intervenção dos britânicos no Iraque.
Nos dias seguintes à eleição de Jeremy Corbyn, mais de 15.000 pessoas juntaram-se ao Partido Trabalhista britânico, segundo o secretário-geral do partido, Iain McNicol.
Jeremy Corbyn foi nomeado líder com 60% de apoio do eleitorado trabalhista, ou cerca de 550 mil apoiantes, enquanto o Partido Conservador do ex-primeiro-ministro David Cameron teve cerca de 149.800 apoiantes.
E como Bernie Sanders, nas presidenciais americanas que puseram Donald Trump à frente do país mais poderoso do mundo, muitos destes mais de meio milhão de apoiantes são sobretudo jovens, entre os 18 e os 34 anos. É entre eles que o discurso de Corbyn mais faz sentido.
Dados do portal de estatísticas britânico YouGov mostram que a maioria dos que gostam do líder trabalhista o descrevem como uma pessoa honesta, com princípios, que dá voz às pessoas comuns e é genuína. Na verdade, Corbyn tem sido sucessivamente o deputado do parlamento britânico que menos despesas dá aos contribuintes - em 2010 pediu apenas 9,97 euros para um cartucho de tinta (em três meses de legislatura).
O discurso do partido Trabalhista nestas eleições é o de quem quer “construir uma Grã-Bretanha mais justa, onde ninguém é retido. Um país onde toda a gente tem uma oportunidade na vida, na segurança no trabalho e em casa, num pagamento decente pelo trabalho que faz e em viver a sua vida com a dignidade que merece”, escreve Corbyn no prefácio do programa de campanha do Labour.
Sobre o Brexit, o Labour diz que o voto dos britânicos, para sair da UE, será respeitado. Prometeram garantir os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e a tentativa de garantir um acesso maximizado ao mercado único.
No que toca à imigração, o Labour promete acabar com a liberdade de movimento da União Europeia, mas diz também que irá dar prioridade às políticas de emprego e prosperidade, em vez das de imigração. Os Trabalhistas propõem um novo modelo de imigração, baseado nas necessidades económicas. Para além disso, o partido quer ir atrás dos empregadores sem escrúpulos e das práticas de recrutamento exclusivamente fora do Reino Unido.
Para a economia as propostas do Labour são o aumento do imposto sobre os rendimentos dos 5% dos britânicos que mais ganham; renacionalizar as companhias de caminhos-de-ferro e de energia. Para além disso, o partido de Corbyn promete investir 286 mil milhões de euros em infraestruturas públicas na próxima década.
Outra das promessas é um pacote de medidas que aumenta os direitos dos trabalhadores, que inclui o aumento do salário mínimo (atualmente nos 1.396,90 euros) e o fim dos contratos sem horas.
O ataque em Manchester, no arranque da campanha, onde morreram 23 pessoas, pôs as questões de defesa nacional no centro da discussão. Para a defesa, o Labour vai apoiar a renovação da dissuasão nuclear britânica, trabalhando com parceiros internacionais por um mundo sem armas nucleares.
O Labour promete ainda gastar pelo menos 2% do produto interno bruto em defesa, como preveem os acordos da NATO, de que o Reino Unido, como Portugal, faz parte. A política externa britânica vai rodar em torno da resolução de conflitos e da defesa dos direitos humanos.
Da última vez que foi a eleições, para as primárias do Labour, surpreendeu toda a gente com a vitória. Agora, apesar de as sondagens continuarem a dar a vitória aos Tories da atual primeira-ministra Theresa May, a distância entre os dois partidos tem estado a diminuir e com ela também as certezas.
Esta quinta-feira, 8 de junho, eleitores das quatro nações que compõem o Reino Unido - Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte - vão a votos para escolher quem vai dar a cara pelo país que diz adeus à União Europeia.
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