Numa carta enviada a várias entidades na Assembleia da República, incluindo a Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e todos os grupos parlamentares, uma centena e meia de jornalistas denunciam a existência de um “ataque à liberdade de imprensa em Macau” e exigem que o “Estado português, enquanto parte contratante da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau”, exerça os seus deveres.
“Vimos apelar junto de Vós para que tornem (…) audíveis as preocupações manifestadas a partir de Macau [relativas à tentativa de limitação das liberdades, direitos e garantias dos seus habitantes], zelem pelo cumprimento dos tratados que Portugal assinou e que a Assembleia da República aprovou, e condenem as violações perpetradas, agindo e fazendo agir no sentido da sua retificação”, pedem os jornalistas.
“Além disso, apelamos a que considerem o estabelecimento de um grupo de trabalho no seio da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas para monitorização do cumprimento da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, para funcionar até 20 de dezembro de 2049, produzindo avaliações regulares e públicas. Será fundamental num período que se adivinha ser apenas de silêncio na Região Administrativa Especial de Macau”, pedem ainda.
A carta identifica “um conjunto de situações que põe em risco o sistema social de Macau, com prejuízo para os direitos e liberdades dos [seus] habitantes”, nomeadamente a “limitação à liberdade de informação que configuram as recentes instruções dadas aos jornalistas dos departamentos de língua portuguesa e inglesa da emissora pública Teledifusão de Macau (TDM) para que não divulguem ‘informações e opiniões contrárias às políticas do Governo Central da República Popular da China’, podendo a não obediência a esta instrução dar direito a despedimento com justa causa”.
Os subscritores da carta enviada à Assembleia da República sublinham que “a diretiva que exige uma linha editorial patriótica, e que proíbe a divulgação de informações e opiniões contrárias às políticas da República Popular da China, já levou à apresentação de demissão por parte de, pelo menos, cinco jornalistas do serviço de rádio em língua portuguesa da (…) TDM, metade da redação, e de uma jornalista do canal de televisão em língua portuguesa”.
“O recuo nas liberdades e garantias consagradas tem ocorrido paulatinamente em Macau, coartando o espaço político e a pluralidade de opiniões, o que até aqui tem vindo a ser noticiado pela imprensa local, incluindo pela TDM”, sublinham.
Não obstante, rematam os signatários, “a pretensão de que os jornalistas da TDM atuem enquanto promotores de ‘patriotismo’ vem agora pôr em causa a liberdade de imprensa e o papel da emissora pública de Macau, atentando não apenas contra os direitos laborais e os valores deontológicos dos jornalistas que nela trabalham, como também contra o direito de a população ser informada de forma livre e isenta”.
Os primeiros subscritores da carta são Catarina Almeida (ex-jornalista do Jornal Tribuna de Macau), Catarina Vila Nova (ex-jornalista do Ponto Final, Macau), Cláudia Aranda (jornalista freelancer do Ponto Final e colaboradora de outras publicações em Macau), Filipa Queiroz (ex-jornalista da TDM e do Hoje Macau), Hélder Beja (ex-director de programação do Festival Literário de Macau) e Isabel Castro (ex-jornalista da Rádio Macau e antiga directora do Ponto Final), numa lista que inclui outros nomes como a presidente do Sindicato dos Jornalistas (Sofia Branco), António Granado, Maria Flor Pedroso ou Carlos Vaz Marques.
A administração da TDM disse aos jornalistas do serviço de rádio em língua portuguesa numa reunião no passado dia 9 que estes estariam proibidos de divulgar informação e opiniões contrárias às políticas da China e do Governo de Macau.
Entre os pontos transmitidos verbalmente constam diretrizes como: a TDM divulga e promove o patriotismo, o respeito e o amor à pátria e a Macau; a TDM é um órgão de divulgação da informação do Governo Central da República Popular da China e de Macau; o pessoal da TDM não divulga informação ou opiniões contrárias às políticas do Governo Central da China e apoia as medidas adotadas por Macau.
Numa declaração divulgada uma semana depois no site da TDM, depois de uma reunião com “jornalistas da Direção de Informação e Programas Portugueses”, a Comissão Executiva “reiterou que a política editorial atual não foi alterada, e ambas as partes concordaram quanto ao cumprimento dos valores fundamentais do Manual Editorial da TDM: precisão, integridade, objetividade, justiça, imparcialidade, neutralidade e interesse público, etc”.
Paralelamente, no entanto, a administração “manifestou o interesse para que todos os jornalistas continuem a trabalhar juntos, adiram ao princípio do patriotismo e de amor à RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] e cumpram as responsabilidades inerentes a um órgão de comunicação social de serviço público”, sublinhando que o “Manual Editorial” da empresa pública de rádio e televisão vai continuar a ser cumprido e reiterando a adesão ao “princípio do patriotismo”.
Já o chefe do Governo de Macau, Ho Iat Seng, negou que o território esteja a impor restrições à liberdade de imprensa e que acredita que os ‘media’ são patrióticos e amam a região administrativa especial chinesa.
A TDM conta com cerca de 40 jornalistas de língua portuguesa e inglesa.
De acordo com a Lei Básica de Macau, que funciona como uma miniconstituição do território e vai estar em vigor até 2049, “os residentes de Macau gozam da liberdade de expressão, de imprensa, de edição, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação”.
A transferência da administração de Macau, de Portugal para a China, ocorreu em 20 de dezembro de 1999.
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