A inquirição do juiz Neto de Moura ocorreu durante a manhã no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Lisboa, onde o juiz Gabriel Catarino, elemento do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e instrutor deste processo, tem gabinete, pois é também juiz conselheiro do STJ.

O juiz Neto de Moura, acompanhado pelo advogado, Ricardo Serrano Vieira, entraram e saíram das instalações do STJ por uma porta lateral, à margem dos jornalistas, que aguardavam na entrada principal.

O processo de averiguações encontra-se em sigilo e deverá ser apreciado pelo plenário do CSM, na reunião de 05 de dezembro, que decidirá se instaura ou não um inquérito disciplinar ao juiz Neto de Moura.

“A circunstância do CSM fazer hoje uma audição tem a ver com a ordem natural das coisas, não foi por causa deste caso que se passou a prever que havia audição”, disse hoje a ministra da Justiça, acrescentando que “o mecanismo existia e funcionou”.

Francisca Van Dunem, que falava à margem do seminário Decisão Europeia de Investigação – O papel da Eurojust, em Lisboa, sublinhou que "as decisões das magistraturas são sindicáveis nos espaços próprios, existem meios de sindicar as decisões" e que "tudo funcionou sempre”.

“Os magistrados refletem a sociedade, não vieram de Marte, existem na sociedade e obviamente refletem vários modelos de pensamento que existem”, declarou a ministra da Justiça, aos jornalistas.

Em causa está um acórdão da Relação do Porto, datado de 11 de outubro, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.

O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para desvalorizar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.

“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, lê-se na decisão do tribunal superior, também assinada pela desembargadora Maria Luísa Abrantes.

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, entre outras associações, já se manifestaram contra a fundamentação do Tribunal da Relação do Porto.

Além disso, mais de duas centenas de pessoas protestaram na sexta-feira, 27 de outubro, no centro de Lisboa, classificando o acórdão de machista e que desculpabiliza o crime de violência doméstica.

Está também a correr uma petição ‘online’ assinada até hoje por quase 19.500 pessoas e na qual se pede uma tomada de posição do CSM e do Provedor de Justiça e apela a uma "reflexão urgente e séria" sobre a necessidade de alterar o sistema de e/ou avaliação dos juízes, "para que casos como este sejam evitados no futuro".

O assunto tem provocado também muita crítica e vasta discussão nas redes sociais.