Nestes 50 minutos de conversa com Patrícia Reis e Paula Cosme Pinto, relembra as condições medíocres dos abortos clandestinos. "As parteiras recebiam as mulheres em suas casas. De forma que podiam ser abortos feitos em marquises e noutros sítios muito pouco adequados sem condições básicas. Lembremos também das mulheres que faziam aborto a si próprias. A Maria Teresa Horta fala-nos muito dessa realidade, mulheres que metiam na vagina agulhas de tricot, pés de salsa", conta Manuela Tavares, que ao longo da sua vida ajudou muitas jovens em "verdadeiras situações de desespero". "Muitas delas morriam, outras ficavam com a sua saúde afetada para sempre e ainda eram depois mal recebidas pelos médicos nos hospitais".

Das memórias que guarda das várias décadas de luta até o aborto ser uma realidade no Serviço Nacional de Saúde, diz que nunca esquecerá o "acordo de cavalheiros" entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Guterres: "No primeiro referendo houve muita gente a favor, mas que não foi votar. Aquele acordo de cavalheiros entre Marcelo Rebelo Sousa e António Guterres – a Maria Antónia Palla insurgiu-se contra isso – quando a lei tinha sido aprovada no Parlamento, atrasou a luta pela despenalização do aborto por mais de uma década". Acrescentando: "A despenalização da interrupção voluntária da gravidez o que traz é a possibilidade a quem queira fazer, de o fazer o faça em segurança. Os abortos clandestinos não dão segurança".

Durante os atribulados movimentos estudantis, entre 1969 e 1974, Manuela Tavares despertou para a consciência política e social, começando um caminho de reflexão e reivindicação contínuo, que dura até hoje. Professora, investigadora, ativista e autora de diversos trabalhos ligados aos Estudos sobre as Mulheres, Género e Feminismo, teve um percurso ímpar para uma mulher da sua geração. "A minha vida sempre foi muito pautada pelo ativismo a vários níveis. Tive o apoio da minha mãe com a minha filha. A minha mãe criticava. Tinha o papel de dona de casa. Ela queria uma filha doutora. Quando eu saía à noite para uma reunião, a minha mãe, já viúva, ficava com a menina, e colocava-a contra nós: a tua mãe prefere ir para a rua". Apesar desta situação, e das pressões de vários movimentos pró-vida, Manuela Tavares, hoje com 73 anos de idade, mantém-se ativista e feminista convicta, alertando para a pluralidade do movimento. "A mulher não é um sujeito uno. Podem ser ciganas, mães, não mães... é um sujeito plural. Como ter algo uno? A ideia projetada no ativismo é que temos de ter uma atividade abrangente e inclusiva no qual se oiçam todas as mulheres. É melhor ter uma agenda plural feminista. Todas estamos nessa luta."

Para quem possa ter dúvidas, alerta: "Há quem diga que é melhor estarmos caladas, não ligar ao que dizem, mas não pode ser. As ideias desses sectores retrógrados, conservadores, vão entrando. Temos de contrariar. Em cada questão, contrariar. Recentemente, o nosso Presidente, em relação ao beijo forçado à futebolista espanhola, disse que era uma coisa menor, depois, no Canadá, comentou o decote de uma senhora. Na UMAR fizemos um pequeno texto, em que dizemos que os comentários não podem ser irresponsáveis, porque isto marca. Quem ouve o Marcelo, 'ah ele é tão simpático', acha bem, há uma normalização. Não pode ser".

Apoio Podcast Um Género de Conversa