Entre 1995 e 1998, havia 398 comboios por dia útil na Linha de Sintra. Na altura, havia apenas duas vias naquela que já era a ligação ferroviária mais utilizada em Portugal. Em 2002 e 2003, já com quatro vias entre a estação de Benfica e de Queluz, havia 391 viagens por dia. Atualmente, circulam 269 comboios por dia útil, apesar de haver quatro vias disponíveis só para os suburbanos de Sintra (e alguns regionais da Linha do Oeste) entre as estações de Benfica e do Cacém. Nos últimos 25 anos, perdeu-se mais de um terço das viagens diárias apesar de haver mais espaço para aumentar as circulações. Por haver menos deslocações, a frequência diminuiu e conduz a composições cada vez mais cheias.

A diminuição do número de comboios contrasta também com a procura cada vez maior pela Linha de Sintra. No dia a dia, o transporte pendular, da periferia para o centro é cada vez mais recorrente, atendendo ao aumento dos custos com a casa (renda ou mensalidade do crédito para a habitação) e com o veículo privado. Neste caso, desde abril de 2019 que o passe Navegante, com viagens ilimitadas por 40 euros por mês, constituiu mais um incentivo para trocar o automóvel pelo transporte coletivo.

No transporte ocasional, os turistas, cada vez mais focados na sustentabilidade, recorrem ao comboio para as suas deslocações quando visitam a capital. Quem estiver na Baixa lisboeta, apanha o comboio no Rossio e em 40 minutos chega à vila de Sintra, classificada como Património Mundial desde dezembro de 1995.

Nos últimos três anos, a CP recuperou oito automotoras para esta linha que foram encostadas a partir de 2012 e que chegaram a ser canibalizadas para servirem como fornecedoras de peças para outros comboios. No entanto, o material circulante está disponível, mas não tem sido utilizado - basta estar junto à estação de Campolide para ver que há mais de uma dezena de comboios parados e não necessariamente por estarem em mau estado.

“Há falta de pessoal, de revisores e maquinistas, para aumentar a oferta. Mais valia as automotoras manterem-se encostadas e poupar na manutenção”, contesta ao SAPO24 o especialista em transporte ferroviário João Cunha. “A CP, como está, não é viável e não consegue responder às necessidades. Tal como se fez com a TAP com 100% do capital do Estado, a empresa tem de passar a ser uma sociedade anónima”, com autonomia para contratar e poder oferecer salários mais atrativos, perante a concorrência privada, acrescenta.

No final de 2023, a CP viu a sua dívida histórica perdoada, mas continua a necessitar de autorização do Governo para a compra de material operacional, que garanta que os comboios continuem a circular. Como é uma empresa do setor empresarial do Estado, os aumentos salariais da empresa estão limitados às tabelas definidas pelo Ministério das Finanças. Ora, para contratar maquinistas e trabalhadores para as oficinas, as empresas de transporte de mercadorias conseguem ser mais competitivas e captar pessoal com maior facilidade.

CP falha contrato de serviço público

Em condições normais, perante um aumento da procura, o transporte público teria de corresponder com o acrescento da oferta ferroviária, a opção de mobilidade mais sustentável. A CP tem feito exatamente o contrário, ao ponto de nunca ter cumprido o contrato de serviço público, assinado com o Estado em novembro de 2019 na estação do Rossio e que tem efeito desde junho do ano seguinte.

É precisamente na estação da Baixa pombalina que mora o problema da CP: ficou acordado com o Estado que a transportadora realizaria, diariamente, 37 ligações entre Lisboa-Rossio e a estação de Mira Sintra-Meleças (com acesso à Linha do Oeste), e 35 serviços no sentido contrário. Na realidade, a CP realiza diariamente 21 comboios entre o Rossio e Meleças e 22 viagens no sentido contrário, conforme consta da página oficial. A oferta está cerca de 40% abaixo do que ficou acordado.

O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos (C), acompanhado pelo ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno e pelo presidente da CP, Nuno Freitas (E), na assinatura do contrato de serviço público entre o Estado e a CP, na Estação do Rossio, em Lisboa, 28 de novembro de 2019. créditos: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Isso acontece porque em meados de 2019 houve vários cancelamentos de comboios por falta de material circulante disponível. Ao ponto de, em junho desse ano, a empresa ter diminuído as frequências entre Lisboa-Rossio e Mira Sintra-Meleças. A solução seria temporária e apenas vigoraria durante as férias escolares desse ano. No entanto, passaram mais de quatro anos e a frequência de comboios neste percurso não registou qualquer alteração.

É nas horas de ponta da manhã e da tarde que se nota que circulam metade dos comboios que estavam programados. Perante a menor frequência, os passageiros acumulam-se, o comboio viaja sobrelotado, impedindo que sejam cumpridos os tempos de entrada e saída dos passageiros. No destino, o atraso é garantido por conta desta situação. A sobrelotação também torna o comboio menos atrativo como eventual opção para a viagem entre casa e o trabalho.

O contrato de serviço público da CP contempla o índice de regularidade, com a relação entre o número de comboios realizados e o número de comboios programados, ou seja, “todos os que estão previstos por horários”. Não é mencionado, de forma explícita, se são verificados os comboios previstos no contrato. A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, a quem cabe vigiar o cumprimento das regras, recusou-se a prestar esclarecimentos ao SAPO24.

Fertagus tira linha à CP para cumprir horários

Os comboios da Linha de Sintra recorrem à Linha de Cintura - e a uma das extremidades da Linha do Norte - para chegarem a Lisboa-Oriente e a Alverca. Em condições normais, a CP poderia utilizar as quatro linhas da Linha de Cintura, repartindo o espaço com a Fertagus entre Sete-Rios e Roma-Areeiro. Para os comboios da Fertagus poderem inverter o sentido sem prejudicar a circulação da CP, existe o Terminal Técnico de Chelas. Porém, a infraestrutura construída para a Fertagus não está a ser utilizada.

Em vez disso, a linha 3 da estação de Roma-Areeiro é utilizada como terminal de partida e chegada dos comboios da Fertagus (grupo Barraqueiro), o que limita o espaço de circulação das composições de outros serviços suburbanos e de longo curso da CP.

Por exemplo, o comboio entre Alcântara-Terra e Castanheira do Ribatejo usa a linha 3 na estação de Sete-Rios. No entanto, é obrigado a mudar para a via 1 logo em Entrecampos, para ocupar a mesma posição à chegada a Roma-Areeiro.

Atualmente a utilizar diariamente 17 das 18 automotoras da frota para o serviço diário, fonte oficial da Fertagus justifica a utilização da linha 3 de Roma-Areeiro como terminal com os “escassos sete minutos para as operações de reversão”, isto é, o tempo que os maquinistas dispõem para “fazer troca de cabina e a preparação do material circulante para retomar a marcha do novo comboio”. Caso a empresa utilizasse o Terminal Técnico de Chelas - construído para ser o terminal - “isto implicaria o aumento do tempo de marcha e inviabilizaria imediatamente assegurar o horário comercial a que a Fertagus está obrigada pelo contrato de concessão”.

A situação levaria à redução da oferta de viagens para a travessia sobre carris da Ponte 25 de Abril. Para manter o nível de serviço sem ocupar uma linha de comboio, a Fertagus teria de reforçar a frota de material circulante, algo que não é permitido pelo contrato de concessão: a Fertagus aluga os comboios à sociedade Sagsecur, da Parpública.

Fica por saber quais são as opções que a CP vai tomar para lidar com a situação. A transportadora pública não respondeu às perguntas enviadas pelo SAPO24. Quem utiliza a Linha de Sintra, todavia, vai continuar a lidar com a falta de comboios para cada vez mais procura.