Debaixo da superfície, entre tubagens e condutas, entre o metropolitano e as caves e garagens de Lisboa, resiste uma teia de túneis. São 12 quilómetros de túneis que sobem e descem com as colinas da capital. Alguns ainda hoje levam água, outros, poucos, só 1,5 quilómetros, levam gente.

Lá debaixo, há outra cidade. Não se vê água, essa vai (ou ia) dentro de arcaicas condutas de pedra que ladeiam a passagem, criada para que os operários da altura pudessem aferir da saúde do abastecimento de água à Lisboa do século XIX. Não há água à vista, íamos dizendo, mas há toponímia. As ruas e becos repetem-se na teia invisível.

Quem entre junto ao Jardim das Amoreiras, passa pela rua da Escola Politécnica e vai sair debaixo de um lago, no meio do Jardim do Príncipe Real. Continuando túnel abaixo, vai o viajante dos subterrâneos parar ao lado de uma esplanada, saindo por uma porta dissimulada, no miradouro de São Pedro de Alcântara.

Estes túneis são apenas parte do Museu da Água da Empresa Pública de Águas Livres, ou EPAL, como lhe chamam quem cujas águas bebe. A empresa responsável pelo abastecimento de águas de Lisboa faz em 2018 150 anos, século e meio a levar de beber ao casario lisboeta, desenhando, assim, a própria morfologia urbana, com os palacetes construídos nos campos por onde ia chegando a água, mas também social, com os três mil aguadeiros de Lisboa, que entretanto deixaram de ser precisos.

Desta história faz parte, para além dos túneis, o Aqueduto das Águas Livres; também a necessidade de fazer subir, por máquinas a vapor que ainda hoje funcionam (embora já não com vapor), a água do rio Alviela; e os chafarizes, em cuja água está a génese de novos bairros.

Mas regressemos ao Aqueduto, aos arcos de pedra que atravessam o vale de Alcântara. A estrutura atualmente passa por obras de reabilitação para que o interior possa ser visitado. Todavia, quando foi erguido, não era lugar aprazível. A culpa é de um tal Diogo Alves, o assassino do aqueduto, que fez atrasar a abolição da pena de morte — é que a rainha, D. Maria, só assinou o decreto depois de se certificar de que Diogo Alves era apanhado e enforcado.

Estas histórias, tal como as escorrências que se notam nos túneis, infiltram-se em cada gota de água de cada vez que alguém em Lisboa abre uma torneira. E para as recordar, visitar os quatro polos do Museu da Água é grátis em todos os fins de semana até final do ano. Para além disso, a EPAL vai também distribuir durante o verão água com sabores, pela cidade, também gratuitamente, numa irónica carrinha ‘pão de forma’.

As iniciativas da empresa abastecedora de água de Lisboa (Empresa Pública das Águas Livres) assinalam os 150 anos da empresa, criada em 1868 para substituir outra que não conseguira aumentar o volume de água para Lisboa e que faliu, porque ninguém pagava água nessa altura.

Hoje, a EPAL, que conseguiu o melhor resultado líquido no ano passado, abastece milhões de pessoas com água de qualidade, como salientou o presidente da empresa, José Sardinha.

O responsável falava aos jornalistas durante uma visita aos vários polos do Museu da Água - a estação elevatória a vapor dos Barbadinhos, o aqueduto das águas livres, e os reservatórios da Mãe d´Água das Amoreiras e da Patriarcal.

José Sardinha lembrou que a empresa, que começou na monarquia, atravessou uma guerra colonial, a ditadura e duas guerras mundiais, para chegar hoje como uma das empresas mundiais com menos perdas de água (10%, menos de metade da empresa abastecedora de Londres), com produtos inovadores também a nível mundial, como a possibilidade de ter consumos de água bi-horários, caso pioneiro no mundo.

Uma evolução de 150 anos para comemorar até final de dezembro, também com uma conferência sobre a água, em outubro, com concertos nas instalações do museu (em junho, agosto e setembro, igualmente gratuitos), com concursos, passeios e, claro, com água para oferecer. Da torneira.

Pensando nos lisboetas mas também nos turistas, contou José Sardinha que a iniciativa “o pátio da água” consiste em, com carrinhas, criar pequenas esplanadas temporárias onde se vai distribuir água gratuitamente, com vários sabores, com diferentes temperaturas, sempre da torneira, para mostrar que em Portugal se tem “confiança nas infraestruturas” e que se pode beber água da torneira.

E porque da história faz parte o caminho da água até à cidade, a EPAL conta abrir ainda este ano ao público (para visitas marcadas) mais uma galeria subterrânea, a chamada Galeria das Necessidades, que liga um chafariz perto do Museu Nacional de Arte Antiga à Lapa.

Esta história viva continua a chegar hoje, na abertura de uma torneira em cada casa da capital e na água que sai, boa para beber. “Para chegar aqui são muitos anos de trabalho”, já tinha dito José Sardinha.

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