O relatório “Vítimas da Necrofronteira 2018-2022” documenta que morrem em média seis pessoas por dia nas rotas migratórias que têm como destino as costas de Espanha ou as cidades de Melilla e Ceuta, dois enclaves espanhóis no norte de África, com fronteiras terrestres com Marrocos.
A rota mais mortífera é a das Canárias, no oceano Atlântico, onde a ONG espanhola documentou 7.692 mortes nestes cinco anos.
Seguem-se as rotas no Mediterrâneo, com os maiores números a registarem-se na que sai da Argélia rumo ao sul de Espanha (1.526 vítimas) e na “rota Alborán”, entre Marrocos e o lado oriental da região da Andaluzia (1.493).
No estreito de Gibraltar morreram 528 migrantes entre 2018 e o final de novembro deste ano e nas fronteiras de Ceuta e Melilla foram confirmadas 47 vítimas no mesmo período.
A ONG confirmou o desaparecimento de pelo menos 241 embarcações com migrantes nos últimos cinco anos nestas rotas e destacou que das 11.286 vítimas mortais, 272 eram mulheres e 377 eram crianças, que são alvo de “violências específicas”, como violações.
Os dados recolhidos e confirmados pela Caminando Fronteras revelam “mudanças para rotas migratórias cada vez mais perigosas”, nomeadamente, a das Canárias e a argelina, afirmou a coordenadora do relatório e fundadora da ONG, Helena Melano, numa conferência de imprensa hoje realizada em Barcelona.
Para a ONG, isto deveu-se a mudanças nas políticas de controlo de fluxos migratórios no Mediterrâneo, sobretudo, no estreito de Gibraltar, e nos países do norte de África, que passaram, por exemplo, pela opção de não fazer salvamentos e de não haver colaboração entre Espanha e Marrocos nas operações de resgate no mar.
Helena Melano defendeu que a países como Marrocos interessou também “abrir rotas novas, mais longas e perigosas”, como a das Canárias, em que os migrantes se transformaram em “moeda de troca de negociações” nas relações bilaterais com outros países.
O resultado, segundo os dados da ONG, foi o desvio dos fluxos migratórios para rotas mais perigosas, e consequentemente o aumento das vítimas mortais desde 2020.
Assim, segundo o relatório hoje publicado, em 2018 foram registadas 978 mortes de migrantes a tentar alcançar o território espanhol, em 2019 foram 1.131 e em 2020 dispararam para 2.384.
Em 2021, o número de vítimas mortais voltou a subir de forma expressiva, para as 4.639, baixando este ano para as 2.154.
Nestes anos, as mortes no estreito de Gibraltar passaram de 160 para 21, mas na rota das Canárias aumentaram de 7 em 2018 para um recorde de 3.939 em 2021, depois de em 2019 já terem sido 1.832.
Este ano, na rota atlântica que tem o arquipélago das Canárias como destino morreram pelo menos 1.611 migrantes, segundo a Caminando Fronteiras.
Helena Melano destacou que os dados oficiais, revelados pelos países, só dão conta das chegadas a território espanhol ou de corpos resgatados no mar e têm como objetivo “justificar o controlo migratório”, sem, porém, revelarem “como isso tem impacto no direito à vida das pessoas migrantes”.
“Estes números demonstram o impacto negativo das decisões políticas na proteção do direito à vida nas fronteiras”, afirmou, dizendo ainda que está instalado “um sistema estrutural de políticas que estão a atacar a vida” e que os migrantes caem num “sistema onde se pode deixar morrer e fazer morrer”.
“Nestes cinco anos, vimos como as alterações bilaterais entre Espanha, Marrocos e Argélia também afetam o direito à vida [dos migrantes]. Quando são piores, há picos de mortalidade”, exemplificou.
Helena Melano acusou também Espanha, e outros Estados, de racismo por “muitas destas mortes” se deverem à não ativação dos mesmos meios de salvamento que são mobilizados quando está em causa “uma pessoa branca”.
“Espanha tem milhares de vítimas ainda nas valas [comuns da Guerra Civil]” a que nos últimos 30 anos juntou “milhares de vidas nas costas e no mar”, que ficam igualmente por identificar devido à inação e à falta de vontade política, afirmou a representante.
O relatório “Vítimas da Necrofronteira 2018-2022” foi feito pelo Observatório dos Direitos Humanos da Caminando Fronteras, com base em dados oficiais e de associações de comunidades migrantes, assim como testemunhos e denúncias tanto das comunidades como de famílias de desaparecidos, seguindo metodologias usadas pelas ONG para contabilizar vítimas em diversos pontos do mundo, como acontece na fronteira entre o México e os Estados Unidos.
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