Em declarações à SIC-Notícias e questionado se “perdeu um braço de ferro com o Governo” nesta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “É discutível, juridicamente certamente perdi, politicamente acho que ganhei”.
“Em termos políticos, ou sociais, que é o que interessa aos portugueses: sem a promulgação não teria havido a proteção social que os portugueses tiveram a partir da votação da Assembleia”, defendeu.
O chefe de Estado salientou que o TC considerou “salvos” todos os efeitos jurídicos já produzidos pelos diplomas do parlamento desde final de março, que foram mais tarde parcialmente replicados num decreto-lei do Governo.
“O que é certo é que estes efeitos que foram ressalvados pelo TC são anteriores ao decreto-lei do Governo e está por provar que o Governo o fizesse nos termos em que o fez se não houvesse as leis da Assembleia”, disse, acrescentando que se sente “muito feliz” por ter garantido aos portugueses “uma proteção que, de outra forma, não teriam”.
O pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade foi anunciado pelo primeiro-ministro, António Costa, em 31 de março, na sequência da promulgação pelo Presidente da República de três diplomas da Assembleia da República que, através de apreciação parlamentar, alteravam decretos-lei do Governo sobre apoios sociais.
No acórdão hoje divulgado, o TC declarou inconstitucionais normas das leis sobre mecanismos de apoio no âmbito do estado de emergência e sobre apoios à atividade letiva, por violação da chamada lei-travão, inscrita no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, que proíbe os deputados de apresentarem iniciativas "que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento".
À SIC-Notícias, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que não está arrependido de ter promulgado os diplomas agora declarados inconstitucionais, frisando que decidiu de acordo com a sua “consciência jurídica e social”.
“Era preciso acorrer rapidamente a uma situação de carência dos portugueses (…) Hoje é fácil olhar para trás, na altura cada minuto valia uma eternidade”, considerou.
O Presidente da República salientou que o TC decidiu, “com grande sensibilidade”, salvar todos os efeitos jurídicos já produzidos pelos diplomas, o que significa que nenhum apoio terá de ser devolvido.
“Quer dizer que a promulgação, além de corresponder à visão que o Presidente tinha - e é ele que tem de decidir, sujeito ao controlo do TC -, teve efeitos práticos, que era o que pretendia. Eu pretendia que houvesse efeitos práticos imediatos logo a partir da votação das leis da Assembleia, antes de o Governo avançar com o decreto-lei e muito antes de o TC julgar a matéria”, disse.
Já sobre a matéria jurídica, Marcelo Rebelo de Sousa salientou que o TC “é soberano” e que respeita a sua decisão, acrescentando que “foi pedida a inconstitucionalidade em cinco pontos e o tribunal deu razão em três”.
“No momento em que decidi, a minha interpretação era diferente da do TC. Não quanto a haver lei-travão, a questão era saber se, sim ou não, havia efeitos que violassem o conteúdo do Orçamento em vigor. O TC entendeu que sim, que havia efeitos indiretos e diretos que podiam violar, o meu entendimento era que se tratava de efeitos potenciais”, referiu.
E acrescentou: “Eu diria que estamos todos de acordo quanto à lei travão, em que ela deve ser respeitada, o problema é saber se é respeitada ou não num caso concreto”.
Questionado se este diferendo constitucional afeta a sua relação com o Governo, o chefe de Estado reiterou que não.
“Logo que o primeiro-ministro disse que ia recorrer ao Tribunal Constitucional eu dizia que fazia muito bem, se tinha um entendimento diferente seria estranho que não o defendesse”, afirmou.
Já em meados de maio, Marcelo Rebelo de Sousa procurou desdramatizar a decisão do Governo e, em entrevista à RTP, defendeu que nunca sairia derrotado por qualquer decisão do TC.
"Podemos chegar ao fim com esta situação: uma parte dos diplomas tinha perdido utilidade qualquer que fosse a decisão sobre a matéria, porque já não havia ensino à distância, outra parte o Governo recuperou e bem no decreto-lei, uma terceira parte o tribunal ainda pode vir a recuperar, dizendo: efeitos produzidos estão produzidos", afirmou então.
"Se os apoios foram dados - não é isso que é o fundamental?”, defendeu o chefe de Estado em maio, argumentando também que nunca sairia derrotado porque "o funcionarem as instituições nunca é uma derrota para o Presidente".
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