Marcelo Rebelo de Sousa assumiu estas posições durante uma palestra sobre o 25 de Abril, na Escola Secundária de Camões, em Lisboa, em que não quis comentar diretamente o livro “Identidade e Família — Entre a Consciência da Tradição e As Exigências da Modernidade”, apresentado pelo antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho na segunda-feira.
Na sua intervenção inicial, perante os cerca de 800 alunos que enchiam o pavilhão desportivo desta escola secundária, o chefe de Estado considerou que é importante recordar o passado, “para não haver o risco de voltarem a querer impor uma ditadura”, e exortou os jovens portugueses a mobilizarem-se pela renovação da democracia, advertindo que “as ditaduras começam com pezinhos de lã”.
“É fundamental, cada vez que aparecer alguém com ideias que sejam não aceitar — não aceitar a orientação de género ou a orientação política ou a orientação religiosa ou a orientação filosófica diferente –, cada vez que aparecer alguém a querer estabelecer censuras abertas ou escondidas, aí, dizer: atenção, isso pode ser uma moda, na Europa e no mundo, pode ser uma moda em Portugal, mas é uma moda que não pode pôr em causa a liberdade e a democracia”, apelou.
Depois, em resposta a um aluno que o questionou sobre o livro “Identidade e Família” e se declarou assustado com possíveis reversões de direitos pela aproximação de alguma direita moderada à direita mais radical, Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que “aquilo que foi conquistado em termos de papel da mulher tendencialmente está para durar e, portanto, para ter futuro”, por representar “um consenso tão forte, tão forte, tão forte em termos maioritários”.
No seu entender, “um dos setores em que tem havido de uma maneira geral sistematicamente avanços” desde o 25 de Abril em Portugal ”é o do papel da mulher” e ainda assim com direitos por concretizar, como a igualdade salarial em relação aos homens.
“A minha convicção é a de que, apesar de em democracia ser teoricamente possível haver maiorias parlamentares que podem ser mudar a lei num sentido ou noutro, que o consenso existente na sociedade portuguesa — que é uma sociedade, além do mais, muito sensata — é um consenso favorável à valorização constante e duradoura do papel da mulher”, reforçou.
Durante esta palestra, o Presidente da República declarou-se “contra as xenofobias, complemente, os racismos, as discriminações e os fechamentos” e a favor de que Portugal continue “um país aberto”.
Mais à frente, interrogado por uma aluna sobre as diferenças entre a xenofobia atual e a anterior ao 25 de Abril, recordou que “havia um estatuto de indígenas” nas antigas colónias e perguntou: “Quando às vezes aparecem uns nostálgicos saudosistas a dizer que regressar ao passado é que é uma maravilha, mas qual passado? Qual passado? Um passado baseado na exploração da mão de obra colonial? No não reconhecimento de direitos mínimos a pessoas iguais a todas as demais?”.
“Hoje o problema da xenofobia é haver pessoas ou setores que não aceitam a diferença dos outros: ‘Eu penso isto, tu pensas aquilo, eu sou bom português, tu és mau português, eu tenho esta religião, tu não tens religião ou tens outra, és má portuguesa, eu acho que se tem sobre esta matéria de sexo ou de género uma posição, tu tens outra, tu não és uma pessoa que corresponde ao ideal do português'”, sustentou.
O chefe de Estado rejeitou a ideia de que “há os bons portugueses, fieis às raízes, à História, à tradição do império, àquilo que veio dos séculos, e há depois os não bons portugueses”, afirmando: “Isso não há, isso não há nem volta a haver nunca mais. Não sei se estão a perceber. Mas é uma moda que, na Europa, nos Estados Unidos e no mundo, está a dar, o hipernacionalismo”.
“Mas ‘sempre vivemos aqui’, quem? Algum português é puro? Quando a humanidade veio de África — está provado. Há algum europeu puro? Portugueses que são uma mistura, de tudo, de gregos, de romanos, de cartagineses, de fenícios, de nórdicos, de africanos, latino-americanos, disto, daquilo”, prosseguiu.
“É bom que se não venha querer ressuscitar o que nunca existiu, não devia existido, hoje não há e não vai haver no futuro”, concluiu.
Marcelo Rebelo de Sousa pediu aos jovens que lutem contra estas ideias, para que não pareçam ser vencedoras na opinião pública. “As pessoas às tantas perdem a noção da relatividade das coisas”, observou.
Outro aluno insistiu para que comentasse concretamente o livro apresentado por Passos Coelho e as palavras do antigo presidente do PSD, mas o chefe de Estado argumentou que não se deve “colocar no plano das lutas partidárias, dos protagonismos pessoais, dos projetos pessoais ou político-partidários de presente ou de futuro”.
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