"É importante que, mais do que nunca, se leve a sério que a República, tal como a democracia, se constrói todos os dias — e não há construções perfeitas ou acabadas", começou por dizer Marcelo Rebelo de Sousa.

No discurso que marcou as celebrações dos 112 anos da implantação da República, Marcelo recuou cem anos e "recordou as lições de 1922".

À data, recordou, "a I Guerra Mundial e a Gripe Espanhola tinham devastado a Europa e aberto caminho à inflação, ao desemprego, à agitação social, à fragilização de partidos e parlamentos e a novos movimentos defensores de ruturas radicais".

Num paralelismo com a atualidade — recorde-se a Itália foi a votos há cerca de uma semana dando vitória a uma coligação de direita e extrema-direita —, Marcelo recordou a Marcha Sobre Roma, de outubro de 1922, em que milhares de militantes fascistas demonstraram o seu apoio a Benito Mussolini.

Nesse contexto adverso, "a República tinha de se reencontrar, e reencontrar com os portugueses num momento em que novos problemas exigiam novas respostas". "Era preciso dar novo alento à República, feito de proclamação das promessas de 1910, mas com redobrada atenção ao que surgia de novo na realidade dos portugueses, alargando a sua base social, renovando a sua vivência política, democratizando-se, enfrentando com coragem e lucidez os desafios dos novos tempos, encontrando alternativas dentro de si própria antes que fosse tarde demais. Assim não aconteceu".

Num salto para o mundo e o Portugal de 2022, Marcelo traça o contexto: "Acabámos de viver uma pandemia, ainda vivemos uma guerra e assistimos a novos apelos, já não a ditaduras, mas a autoritarismos iliberais, ou seja, não democráticos".

Mas Portugal, defendeu, tem hoje "uma República democrática", "mais liberdades políticas económicas e sociais, mais pluralismo, mais meios de informação e de controlo dos poderes públicos e privados", "um sistema partidário variado, flexível e inclusivo", "educação, saúde, segurança social, instrumentos de regulação e de intervenção económica diversos dos que tínhamos em 1922", além de "um papel relevante nas organizações internacionais", listou.

A par, disse, "sabemos mais do que sabíamos em 1922. Sabemos que não é suficiente termos democracia na Constituição e nas leis, importa ter democracia nos factos, com cada vez mais qualidade, melhores e mais atempadas leis, justiça, administração pública, controlo de abusos e omissões dos poderes, prevenção e combate à corrupção das pessoas e instituições", enumerou.

Lembrando que "nada é eterno em democracia, nem os presidentes, nem os governos, nem as oposições", Marcelo lembrou que a "alternativa" faz parte do seu ADN.

E continuou: "sabemos que a democracia não é só política, é económica, social e cultural, e que sofre com a pobreza, a desigualdade, a injustiça, a intolerância, com a xenofobia, o racismo e a exclusão do diferente. Sabemos como erros, omissões, incompetências e ineficácias na democracia a fragilizam e a matam. Sabemos como começam as ditaduras, o que são e o que duram, e como é difícil recriar a democracia depois delas".

"E porque temos o que não tínhamos, e sabemos o que não sabíamos em 1922, sabemos que existe caminho para todos nós dentro da democracia. E só depende de nós, mesmo num mundo em pós-pandemia e em guerra, não apenas sermos muito diferentes de Portugal de 1922, mas sermos cada dia que passa melhores do que somos, e cada vez melhores no futuro".

Reconhecendo que existem "insatisfações", "indignações, "exigências de muito mais e melhor", isso é sinal, diz Marcelo, "da força da democracia". "É saudável a exigência crítica, porque em democracia cabe a todos fazê-la avançar, não recuar ou estagnar", reiterou.

"Em democracia, por designação, nunca nos resignamos. Em democracia há sempre mais soluções, mais energias de mudança do que aquelas que nos parecem existir em cada instante, e é isso que celebramos hoje".

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, discursou hoje em Lisboa, na cerimónia comemorativa dos 112 anos da Implantação da República, em tempo de guerra na Ucrânia com efeitos económicos globais.

Antes deste discurso, e no plano interno, o chefe de Estado tem alertado para as dificuldades que os portugueses poderão enfrentar no próximo ano e apelado à divulgação pelo Governo do cenário macroeconómico que irá acompanhar a proposta de Orçamento do Estado para 2023, a apresentar dentro de cinco dias.

Este 05 de Outubro é também primeiro com Carlos Moedas nas funções de presidente da Câmara Municipal de Lisboa – há um ano era presidente eleito, mas ainda não tinha tomado posse, e quem discursou foi o cessante Fernando Medina – e num quadro de maioria absoluta do PS, resultante das eleições legislativas de 30 de janeiro deste ano.

Depois de dois anos em que esta sessão solene se realizou no salão nobre dos Paços do Concelho, a República volta a ser celebrada ao ar livre, no exterior do edifício, na Praça do Município, junto da população que quis assistir à cerimónia.

No passado, o chefe de Estado aproveitou esta data histórica para se dirigir aos políticos, com alertas sobre a saúde da democracia.

Em 2021, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que se deve fazer do 05 de Outubro "uma data viva" e pediu um país "mais inclusivo", que entre a tempo no "novo ciclo da criação de riqueza".

Referindo-se aos fundos europeus, o Presidente da República apelou a que "Portugal, por uma vez, entre a tempo – isto é, nos primeiros, e não no meio e menos ainda nos últimos – num novo ciclo económico do clima, energia, digital, ciência, tecnologia e renovado tecido produtivo".

"E dispondo de meios de financiamento adicionais, a serem usados com rigor, eficácia e transparência", acrescentou.

O chefe de Estado considerou que "desta vez falhar a entrada a tempo é perder, sem apelo nem agravo, uma oportunidade que pode não voltar mais".

Em 2020, Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma mensagem semelhante, sobre a recuperação da crise provocada pela pandemia de covid-19: "A recuperação económica durará anos, e mais anos mesmo se for uma oportunidade desperdiçada para mudar instituições e comportamentos e antecipar de modo irreversível o nosso futuro".