Aquele que foi o coordenador do programa macroeconómico do PS antes das eleições legislativas de 2015 deixará de “estar” ministro das Finanças, dado que sempre rejeitou “ser” ministro, repetindo várias vezes a ideia de que se “está” ministro das Finanças, não se “é”.
Nascido no Algarve, licenciou-se no ISEG, em Lisboa (onde chegou a professor catedrático), e depois de regressar de Harvard com um doutoramento, em 2000, ingressou no Banco de Portugal, no qual foi economista, diretor-adjunto do Departamento de Estudos Económicos e consultor da administração.
Desde que tomou posse como ministro, em novembro de 2015, até à sua saída, hoje anunciada, foi eleito presidente do Eurogrupo, o grupo de ministros das Finanças da zona euro, e levou as contas públicas portuguesas ao primeiro saldo positivo em democracia, mais concretamente desde o ano de 1973, mas não deixou de estar envolvido em algumas polémicas.
Sem experiência política até à chegada ao Governo, o economista foi ganhando-a ao longo da legislatura, para o que terão contribuído situações como uma quase saída do executivo em 2017, evitada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.
Na origem da polémica esteve a ida do gestor António Domingues para a presidência executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em 2016, num caso que originou uma Comissão Parlamentar de Inquérito e que Centeno, acusado pela direita de ter mentido ao parlamento, atribuiu a um “erro de perceção mútuo” num SMS enviado a Domingues sobre a possibilidade de não ter de apresentar a sua declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional.
Passada a polémica, os indicadores macroeconómicos ao longo do mandato de Mário Centeno foram evoluindo favoravelmente, e Portugal saiu do Procedimento por Défice Excessivo da Comissão Europeia em junho de 2017, e em setembro a agência de ‘rating’ Standard and Poor’s tirou a dívida nacional do ‘lixo’, iniciando uma tendência que se alargou às restantes agências.
Depois de um início atribulado devido à polémica com António Domingues, 2017 acabou por ser o ano em que foi feita a recapitalização da CGD, com recurso a 3,9 mil milhões de euros públicos, o ano em que a economia portuguesa mais cresceu no século XXI (3,5%), e o ano em que Mário Centeno foi eleito presidente do Eurogrupo, iniciando o mandato no início de 2018, já conhecido como o “Ronaldo do Ecofin” (Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia).
Ao longo da primeira legislatura, foi negociando com os parceiros de Governo à esquerda (BE, PCP e PEV) de forma a que os Orçamentos do Estado fossem viabilizados, sempre debaixo de críticas constantes desses parceiros – e também da direita – às cativações, o instrumento orçamental que permite às Finanças reter verbas destinadas às várias entidades das Administrações Públicas.
De acordo com a Conta Geral do Estado de cada ano, o Ministério das Finanças manteve retidos 942,7 milhões de euros em 2016, 555,6 milhões de euros em 2017, 460,1 milhões de euros em 2018 e, segundo a Direção-Geral do Orçamento, 540,4 milhões de euros em 2019.
Em 2018 chega a encabeçar uma candidatura à liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI), de que desistiu ainda antes de chegar à ronda final de candidatos, foi eleito o melhor ministro das Finanças da Europa pela revista The Banker, do grupo Financial Times, e ainda a personalidade do ano para a Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal.
Em 2019 deixa as contas públicas nacionais com saldo positivo (0,2% do PIB), a primeira vez em democracia e desde 1973 (em 2015 o saldo era negativo em 4,4% do PIB), a taxa de desemprego nos 6,5% (12,4%, em 2015) e com a economia a crescer 2,2%, numa altura em que a possível ida para o cargo de governador do Banco de Portugal se torna assunto frequente no panorama político nacional.
Sem nunca ter confirmado ou desmentido a sua vontade, Mário Centeno pode agora suceder a Carlos Costa, depois de este ter anulado o concurso para cargo de diretor de Estudos Económicos da instituição, em 2013, a que Centeno se tinha candidatado depois de vários anos como diretor-adjunto, e que terá gerado algum mal-estar.
Nada fazia prever o aparecimento da pandemia de covid-19 e o subsequente ‘rombo’ nas contas públicas, e Centeno abandona o Governo num ano em que Portugal deverá registar a maior recessão em tempo de democracia, de 6,9%, de acordo com previsões do executivo.
Em 13 de maio, em plena pandemia, dia em que depois da polémica relacionada com a transferência de 850 milhões de euros do Estado para o Fundo de Resolução para capitalizar o Novo Banco, António Costa admitiu ter dado uma informação errada, no parlamento, sobre a operação, e Marcelo Rebelo de Sousa dito que o primeiro-ministro esteve “muito bem”, Mário Centeno reuniu-se com António Costa em São Bento.
Já perto da meia-noite, o gabinete do primeiro-ministro emite um comunicado no qual António Costa afirma manter “a confiança pessoal e política” em Mário Centeno, contando com o ministro para a elaboração do orçamento retificativo.
Mário Centeno disse mais tarde ao jornal Público que era ele o responsável pelo Ministério das Finanças, e que acompanhou “de perto aquele empréstimo, que estava previsto no Orçamento do Estado aprovado”.
Questionado sobre se não era irónico ser tanto o primeiro ministro das Finanças a conseguir um excedente orçamental (e várias sondagens o foram dando como o ministro mais popular), como testemunhar a maior recessão em democracia, Centeno reconheceu, numa entrevista à RTP em maio, que era verdade.
“Mas, enfim, os poetas estão fartos de escrever sobre isso”, afirmou.
O Presidente da República aceitou hoje a exoneração de Mário Centeno como ministro de Estado e das Finanças, proposta pelo primeiro-ministro, e a sua substituição por João Leão, até agora secretário de Estado do Orçamento.
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