“Estava a chover muito, mas ainda estava tudo normal às 05:30, quando abrimos a porta. Às 06:10 tivemos de fechar, começou a água a entrar”, disse à Lusa Manuel Ferreirinha, proprietário de uma pastelaria em Santo António dos Cavaleiros.
À porta do estabelecimento do qual é proprietário há mais de 20 anos, apetrechado com um impermeável e um guarda-chuva na mão direita, Manuel Ferreirinha acrescentou que chegou a ter “20 centímetros” de água dentro da pastelaria e que só pôde começar a extraí-la quando a chuva acalmou e a Proteção Civil chegou para ajudar.
O panorama com que se deparou hoje contrasta, apesar de tudo, com o da semana passada, onde chegou a ter “50 centímetros de água” dentro da pastelaria, o que o obrigou a fechar portas na quinta-feira: “Foi impossível trabalhar ou fazer qualquer coisa, as máquinas avariaram-se todas, nem conseguimos ligar a luz”.
Em frente à pastelaria, pelas 11:30, estava um “lago”, com caixotes do lixo parcialmente submersos e uma cadeira a flutuar. Cinco horas antes o cenário era outro, e a água estava quase dez metros acima na Rua do Sol Nascente, confessou à Lusa.
De “coração nas mãos”, disse que esta é a “primeira vez que isto acontece” desde que se mudou para Santo António de Cavaleiros, há mais de duas décadas. E não sendo um especialista na matéria, Manuel Ferreirinha aponta dois motivos: o saneamento, que “já tem 50 anos” e é “da altura em que não havia aqui uma casa”, assim como “qualquer coisa que não está bem em termos de construção no leito” do rio de Loures e nas ribeiras à volta.
Manuel Ferreirinha pediu aos governantes socialistas que “aproveitem agora o dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência” para resolver este problema. Quanto a prejuízos na pastelaria, ainda não estão calculados, mas o proprietário não tem dúvidas de que são na ordem “dos milhares de euros”, entre a reposição de máquinas utilizadas na confeção e a própria madeira do chão do estabelecimento.
Mais à frente desta pastelaria, um ‘stand’ de automóveis estava completamente inundado e dos carros pouco era possível vislumbrar, exceto os para-brisas.
Um pouco por toda a parte o cenário no concelho de Loures é idêntico ao dos municípios vizinhos de Lisboa e Oeiras: estradas cortadas, ruas completamente alagadas, carros e caixotes do lixo submersos, tampas de esgoto a transbordar e pessoas a fotografar o resultado de uma torrente de várias horas que acaba espalhado pelas redes sociais.
Sair em direção à Estrada Nacional 250, para Frielas ou Santo António dos Cavaleiros é impossível. Pouco abaixo do IKEA de Loures, na rotunda de acesso a Frielas está um Mercedes-Benz praticamente submerso e abandonado na via. Mais acima, já longe do lago que ali se formou, está Emerson, que trabalha na distribuição dos CTT.
Completamente encharcado e a tentar aquecer-se com as mãos, Emerson explicou à Lusa que acordou às 04:00 para trabalhar, mas a carrinha foi apanhada pela chuva torrencial e não passou da mesma rotunda onde dois outros automóveis ficaram imobilizados. Ainda conseguiu levar a carrinha para uma inclinação, mas a água que entrou no motor ditou o fim da jornada de hoje.
“Estava tudo alagado. Ia fazer aqui a zona de Frielas, mas agora não tenho como. Já fui a casa e voltei, moro aqui perto, mas não tenho como trabalhar hoje”, lamentou.
A carrinha, que estava vazia, tinha água e lama no interior. A sair pelo tubo de escape e presas às jantes estavam plantas e ramos de árvores arrastados pela água.
Pelas estradas deste concelho na Área Metropolitana de Lisboa era recorrente ver ao longe as luzes dos veículos da Proteção Civil e da Polícia, a conjugar esforços para desimpedir as vias, escoar a água e desviar o trânsito, que circulava com lentidão nos acessos a Loures. Da estrada era possível ver postes de alta tensão em campos agrícolas com água quase até metade da estrutura, tal era a quantidade de água que transbordou do rio de Loures.
A chuva intensa e persistente que caiu de madrugada causou hoje centenas de ocorrências, entre alagamentos, inundações, quedas de árvores e cortes de estradas nos distritos de Lisboa, Setúbal e Portalegre, onde há registo de vários desalojados.
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