As autoridades de Saúde norte-americanas reduziram de dez para cinco dias a duração do período de isolamento das pessoas que testam positivo para a covid-19, desde que estejam assintomáticas, e o Governo britânico reduziu esse prazo de dez para sete dias para pessoas vacinadas que ficaram infetadas.

Segundo fonte dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, esta orientação está em sintonia com indicações crescentes de que as pessoas infetadas com covid-19 são mais contagiosas dois dias antes e três dias depois de desenvolverem sintomas.

O presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), Ricardo Mexia disse à Lusa compreender as razões que levam a pôr em cima da mesa a redução do período de isolamento profilático, mas defendeu ser “importante perceber que a evidência (informação) que suporta essa decisão não é muito robusta”.

“Nós sabemos que há uma maior carga viral num momento próximo do início dos sintomas e, portanto, essa possibilidade de reduzir o período de isolamento contribui para um maior cumprimento da medida, no sentido em que é metade do tempo de isolamento anteriormente preconizado, mas do ponto de vista da evidência (informação) científica que a suporta ela não é assim tão robusta e, portanto, acho que temos que discutir as vantagens da medida”, defendeu.

Para o médico de Saúde Pública e epidemiologista, a decisão é uma questão “mais operacional” do que propriamente de saúde.

“Eu percebo que é uma questão mais operacional e que fruto da enorme transmissibilidade [da variante Ómicron] isto compromete muito o posicionamento da economia, porque estamos efetivamente a pôr muita gente em casa em isolamento e, portanto, reduzir esse tempo para metade, naturalmente, reduz o impacto de forma muito significativa”, justificou.

Questionado se perante o aumento exponencial de casos covid-19, e a confirmar-se a menor gravidade da infeção causada pela variante Ómicron do coronavírus SARS-CoV-2, devia deixar-se que as pessoas se imunizassem naturalmente, o epidemiologista afirmou que “a questão da imunidade natural talvez não seja o caminho”.

“A questão que se coloca a meu ver é se estamos dispostos a assumir o que isso implica, que é respetivamente passarmos a lidar mais com a doença do que com a infeção”, salientou.

Ricardo Mexia explicou que é deixar de estar à procura de episódios assintomáticos e ter a capacidade de resposta para lidar com os casos.

“Se acharmos que o nosso sistema de saúde aguenta suportar depois o impacto dos novos casos na prestação sem comprometer quer a oferta covid, quer a oferta de cuidados de saúde para outras doenças, então essa é uma possibilidade”, afirmou.

Alertou, contudo, não ser linear que perante um aumento de casos que pode ser muito elevado, a fração de casos com gravidade, que embora seja “bastante mais pequena”, atendendo à cobertura vacinal, não represente um número significativo de casos que depois precisam de ser tratados pelo sistema de saúde.

“Se nós acharmos que temos essa capacidade e assumirmos que vai aumentar quer a severidade, quer a mortalidade isso é uma possibilidade”, rematou.

Portugal registou hoje um novo máximo de novas infeções diárias desde o início da pandemia (26.867), segundo a Direção-Geral da Saúde.

Desde março de 2020, já morreram 18.921 pessoas em Portugal e foram contabilizados 1.330.158 casos de infeção.

"Correr atrás do prejuízo"

O presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública defendeu ainda que deviam ter sido antecipados os reforços agora anunciados da Linha SNS24 e dos rastreadores, lamentando que se continue a “correr atrás do prejuízo”.

“A Linha SNS24 não tem a capacidade necessária, como se tem constatado nestes últimos dias, e naturalmente que aquilo que são os meios alocados para o rastreio dos contactos também não é suficiente para esta magnitude de casos”, disse Ricardo Mexia à agência Lusa.

Para o médico de Saúde Pública, “ou há efetivamente uma alteração naquilo que é a abordagem do problema ou então tem que haver uma significativa mobilização de meios para fazer face a estas necessidades”.

“Eu não vejo nenhuma das duas coisas a acontecer e, portanto, é difícil perceber qual é a que é a estratégia”, lamentou.

Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) anunciaram hoje que a linha SNS24, que tem enfrentado dificuldades por causa do aumento da procura com a evolução da pandemia, terá mais cerca de 750 elementos até final da segunda semana de janeiro, o representará uma subida de cerca de 15% nos meios.

Por outro lado, a ministra da Saúde afirmou na terça-feira à Lusa que as administrações regionais de saúde estão no terreno a fazer uma “procura ativa de meios” para reforçar as equipas de saúde pública.

“O que neste momento acontece é que temos vários níveis de procura de prestadores de cuidados de saúde, na vacinação, nos hospitais, nas áreas dedicadas a doentes respiratórios, nos testes, na Linha Saúde 24, nos rastreios e, portanto, os profissionais de saúde não cresceram exponencialmente à medida que está a crescer exponencialmente a necessidade dos serviços que prestam”, lamentou Marta Temido.

Por isso, salientou, “não basta ter disponibilidade para contratar, é preciso também que essa disponibilidade se concretize em respostas efetivas e isso nem sempre é fácil”.

Para Ricardo Mexia, estas medidas deviam ter sido antecipadas porque já se sabia que os números de casos iam aumentar.

“Toda a gente identificou isso como uma necessidade, não percebo porque é que continuamos a correr atrás do prejuízo dois anos volvidos da pandemia”, afirmou, lembrando que a linha 24 já tinha colapsado no passado.

Lamentou ainda que não se tenha acautelado a resposta para responder à testagem em massa da população, que leva agora a que pessoas que testaram positivo não tenham onde ir fazer um teste PCR.

“A montante não têm resposta porque não atendem o telefone da linha SNS 24, não conseguem obter a prescrição para o teste e quando obtêm a prescrição para o teste depois não conseguem um laboratório para o fazer”, descreveu o epidemiologista.

No seu entender, “faz todo o sentido” que as pessoas que vão visitar um familiar ou ter uma reunião familiar com mais pessoas se testem, mas, afirmou, “se estamos a ocupar a nossa capacidade de testagem com essas pessoas, depois para aquelas que tem mesmo que ser testadas porque são sintomáticos a capacidade não chega”.

(Artigo atualizado às 17:57)