O estudo retrospetivo, observacional e transversal, apoiado pelo Sindicato Independente dos Médicos em colaboração com a sua Comissão Nacional de Médicos Internos, visou avaliar as condições de trabalho dos jovens em internato médico.
Envolveu 2.012 respostas, que correspondem a 19,6% do total de internos em formação especializada em setembro de 2020, ano da pandemia de covid-19.
Relativamente às horas extraordinária pagas, os investigadores destacam que correspondem à menor parte do total do trabalho suplementar realizado pelos internos, “mas mesmo assim esse valor equivale a 144 horas extras anuais”.
A grande maioria dos internos trabalha no serviço de urgência aos fins de semana e feriados, abdicando muitas vezes do tempo de folga a que têm direito legalmente para garantir o bom funcionamento do departamento ao qual pertencem.
“Isso resulta numa mediana de dois dias de descanso por mês, correspondendo a cerca de 192 horas por ano”, refere o estudo, salientando que os jovens médicos que trabalham nas urgências realizam 432 horas extraordinárias não remuneradas anualmente (240 horas extras somadas às 24 folgas não gozadas), o que corresponde a mais de dois meses e meio de horas extras não pagas por ano.
Segundo o inquérito, seis médicos internos deixaram o internato alegando motivos como carga horária excessiva, falta de pagamento de horas extras, responsabilidade excessiva nos estágios iniciais e também ‘bullying’ na formação médica.
Outra das conclusões do estudo, a que a agência Lusa teve acesso, aponta que um em cada quatro internos faz turnos no serviço de urgência sem um médico especialista presente.
Revela também que os internos mais avançados no internato são os que apresentam maiores despesas em formação, com 40,8% a suportar gastos superiores a 1.500 euros anuais do seu próprio bolso.
O estudo, que será apresentado na quinta-feira na Nova Medical School, em Lisboa, aponta a presença de disparidades regionais relativamente a turnos de urgência e horas extras realizados por internos, que representam cerca de 33% dos médicos do Serviço Nacional de Saúde.
No contexto de urgência, os internos em instituições da região Sul têm 1,38 vezes mais probabilidade de realizar mais de três horas extras de trabalho não remunerado em turnos, enquanto nas regiões Norte e Centro foi encontrada uma probabilidade 0,70 menor quando consideradas 20 horas de trabalho extraordinário remunerado.
O estudo refere que, como a taxa de médicos por 100.000 habitantes é maior na região Norte, as diferenças nas horas extras realizadas podem ser devidas ao nível de carência de médicos, que é maior no Centro e Sul quando comparado às demais regiões.
De acordo com o inquérito, a autonomia total na execução das funções sem presença física de orientador aumenta ao longo do internato, sendo os que estão em hospitais da região Sul o que apresentam maior nível de autonomia em comparação com outras regiões.
O estudo conclui que os internos desempenham “um papel vital” no SNS e que, “sem a sua contribuição, o atendimento ao doente estaria permanente e severamente comprometido”.
“Trabalham muito mais do que as 40 horas semanais contratadas, muitas vezes sem remuneração, apresentam um alto grau de autonomia na sua prática, fazem um investimento pessoal e financeiro muito significativo na formação médica, quase sem tempo dedicado aos estudos durante o horário de trabalho”, realça.
Perante estas conclusões, os investigadores defendem ser “fundamental investir na melhoria das condições de trabalho e na qualidade da formação pós-graduada dos médicos internos”, proporcionando-lhes “tempo e oportunidades” para se dedicarem à formação, que deve ser incluída no programa de internato e não onerar ainda mais os jovens médicos.
Destaca ainda a necessidade de melhor planeamento dos recursos humanos no SNS, com um “foco especial nos médicos”, permitindo um horário de trabalho mais equilibrado e evitando o aumento de problemas de saúde mental entre os internos, “o que contribui ainda mais para sua insatisfação e perda de motivação, levando à sua saída do SNS”.
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