NOTA INTRODUTÓRIA
Neste livro são abordados vários temas relacionados com a família. Por uma questão de facilidade de escrita, optei por considerar o modelo tradicional para muitos dos exemplos. No entanto, todas as dinâmicas familiares podem e devem ter Montessori como parte do seu quotidiano. Seja uma família monoparental, uma família com crianças adotadas ou outro tipo de dinâmica, sintam-se acolhidos e bem-vindos a saber mais sobre o método da inclusão, da liberdade e da paz.
INTRODUÇÃO
Uma altura de mudança permite-nos refletir e repensar a nossa vida de forma a abraçar novos desafios. A maternidade é uma mudança. É uma mudança que vemos todos os dias com o crescimento da nossa barriga, na forma como passamos a encarar o mundo, mas sobretudo na forte e emocional maneira com que recebemos o nosso bebé.
Este novo ser, cheio de vontade de explorar o mundo, é o nosso bem mais precioso, por isso passamos não só a dar prioridade ao bem-estar do nosso filho em detrimento das coisas que até então achávamos importantes como também a questionar-nos sobre como poderemos deixar um mundo melhor para ele.
Nessa minha procura de conexão com os meus bebés — sou mãe de dois meninos e, enquanto escrevo estas palavras, encontro-me grávida do terceiro —, encontrei no método Montessori a resposta para uma educação mais respeitadora da criança, que ajuda a promover a sua autonomia, respeito, individualidade e responsabilidade. Desenvolvido pela médica e pedagoga italiana Maria Montessori, o método Montessori assenta no princípio de que as crianças não só são capazes de aprender sozinhas como querem fazê-lo. Com a ajuda dos pais e/ou educadores, através deste método as crianças trabalham em grupo ou individualmente no sentido de descobrir e explorar o conhecimento do mundo, desenvolvendo assim o seu potencial máximo.
Em particular entre os zero e os seis anos, os miúdos são dotados de uma «mente absorvente», que lhes permite aprender e adaptar-se ao ambiente através das interações com o mesmo. Falaremos em detalhe sobre este conceito no capítulo 3. Em fases específicas do seu desenvolvimento, as crianças concentram mesmo toda a sua energia em adquirir competências específicas. O papel do adulto é assegurar que a criança dispõe do tempo necessário para avançar ao seu ritmo e que tem a liberdade para observar e, mais tarde, fazer sozinha. Igualmente importante é fornecer-lhe os materiais adequados para explorar o que a circunda e, com naturalidade, compreender e assimilar tudo aquilo que vê e experiencia.
Ainda que tenha entrado no mundo Montessori pela beleza estética dos ambientes preparados e quase minimalistas — certamente tal como eu naquela altura, já deve ter visto imagens de brinquedos de madeira, bolas sensoriais, blocos de várias cores ou mesmo camas —, rapidamente me apercebi de que este método é muito mais do que isso. É uma forma de ser na vida. O método Montessori mudou a minha relação com os outros, a forma como vejo a criança, e mostra-me, diariamente, que a minha conexão com os meus filhos é muito mais forte e assente nas verdades da liberdade, dos limites e da interdependência. Os nossos filhos são, sem dúvida, o nosso melhor e maior investimento. Haverá maior prova de amor do que respeitar, incentivar e promover quem realmente os nossos filhos desejam ser?
Montessori é muito mais do que camas junto ao chão, brinquedos de madeira com design apelativo ou atividades bonitas do Pinterest. É um método científico-educativo, uma psicopedagogia e uma filosofia de vida. Montessori é uma imersão no nosso ser interior e uma procura constante para nos tornarmos adultos conscientes e preparados para as crianças que nos rodeiam.
Porque desejo ascender a esse nível de consciência relativamente aos meus filhos, e às crianças em geral, hoje em dia dedico a minha vida ao estudo, divulgação e implementação deste método em Portugal. Tendo-me formado pela Associação Montessori Internacional (AMI) e pela Montessori Sports. Em 2021, fundei, juntamente com outras mulheres inspiradoras, a Sociedade Portuguesa de Educação Montessori, para que esta missão passe de geração em geração com o rigor que o legado de Maria Montessori nos impõe.
Há muitas respostas para a razão de Montessori ser importante e relevante. Trata-se de um método com muitos benefícios para a criança, quer físicos, como a independência e a autonomia, quer intelectuais, como a aprendizagem ao seu próprio ritmo e de acordo com o seu interesse. Se todos somos diferentes, porque temos de aprender de maneira igual? O método Montessori pressupõe, precisamente, a individualidade da criança, bem como a visão desta como um todo. Tão importante como o seu desenvolvimento intelectual é a sua evolução social, emocional e física.
Neste livro vamos começar por perceber o que é o método Montessori, como surgiu e de que forma se pode relacionar com os planos de desenvolvimento humano. Depois de percebermos os conceitos mais básicos, como os materiais e o ambiente Montessori, prosseguimos para uma compreensão de como este método se aplica às várias fases da nossa vida, desde a preconceção ao envelhecimento. Tratando-se de um livro pensado para famílias, dedicamos um pouco de mais atenção às fases de desenvolvimento do bebé e da criança, nomeadamente dos zero aos doze anos. Numa última fase, falaremos sobre as escolas Montessori e sobre como lidar com situações difíceis junto da criança, nomeadamente morte, doença grave, divórcio ou separação.
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INTRODUÇÃO AO MÉTODO MONTESSORI
Ninguém se torna uma mãe, um pai, professor ou educador Montessori de um dia para o outro. É preciso muito conhecimento, introspeção profunda e, sobretudo, transformação. Transformação interior. Temos de ser capazes de descartar tudo (ou quase tudo) o que trazemos na bagagem — a consciente e a inconsciente — e de aceitar uma nova abordagem para muitas coisas que tomávamos como certas ou sobre as quais nunca tínhamos refletido seriamente.
Quase todos nós somos fruto de uma educação tradicional que se baseia em métricas e avaliações. No nosso crescimento, encaramos a figura do docente como central no processo de aprendizagem, uma vez que era ele quem transmitia conhecimento específico que nós, e os restantes alunos, tínhamos obrigatoriamente de apreender e memorizar. Não havia individualidade: o professor preocupava-se com o todo, ao contrário das (tão diferentes) partes, pelo que tínhamos de estar todos em pé de igualdade. As dificuldades em acompanhar determinado momento da matéria eram resolvidas, na maioria das vezes, em casa, para não ficar para «trás» na sala de aula.
A exploração também não fazia parte do dia a dia: o nosso método principal era sermos expostos à informação para a decorarmos, como já referi, o que é bastante diferente de compreendê-la. O ambiente escolar era organizado e controlado. Grande parte do tempo era passado em contexto de sala de aula, sentados a uma mesa a ouvir o docente ou a resolver exercícios. Os «melhores» eram sempre aqueles que, resolvidos os testes e trabalhos, conseguiam alcançar as notas mais altas. Os restantes tinham de se aplicar para «melhorar», e eram muitas vezes rotulados de algo menos positivo. No método tradicional ensina-se em grande escala e segundo um padrão que não encaixa em todas as crianças. E como alguém disse um dia, não se pode esperar que os peixes saibam voar.
O método Montessori é contrário a este modelo pedagógico, que, na minha opinião, se encontra completamente datado, embora perdure até aos dias de hoje. Montessori tem como certeza que todos nascemos para contribuir para o mundo, de preferência de forma harmoniosa e com base no respeito e na aceitação da diferença, independentemente dos nossos resultados nas avaliações.
Quando comecei a mergulhar no método, fazia-me muitas vezes as seguintes perguntas: «Que mãe quero ser para os meus filhos?», «Que mundo quero deixar para eles?» e «Quero que os meus filhos aprendam com gosto e curiosidade ou apenas para terem boas notas em testes e avaliações?». Todas as respostas estavam disponíveis para mim: o método Montessori prepara as crianças para o mundo em que elas vivem com o pensamento focado no futuro e na contribuição que podem dar a toda a Humanidade. Tudo isto se tornará claro para si ao ler este livro.
Antes de avançarmos, gostava de lhe apresentar a mulher detrás deste método. As melhores histórias começam sempre pelo início, não é verdade? Vejamos como tudo isto nasceu, no início do século XX, graças a uma italiana que ousou desconstruir os modelos pedagógicos que até então proliferavam.
1.1. BREVE HISTÓRIA DE MARIA MONTESSORI
Maria Montessori nasceu no último dia de agosto de 1870, na pequena cidade de Chiaravalle, em Itália, onde permaneceu até aos cinco anos. A sua relação com os pais era muito afetiva, sobretudo com a mãe, da qual herdou a aparência e o temperamento, e através da qual recebeu o apoio e a aprovação para seguir os seus interesses e ser uma mulher independente. O pai, movido pelo carinho e pelo medo da infelicidade da filha, preferia que esta casasse, fosse mãe e, se ousasse ter uma profissão, que fosse professora, como todas as raparigas daquele tempo.
O trabalho do pai levou a que a família se mudasse e permitiu que Maria estudasse em Roma. As escolas da altura eram pouco motivadoras para as crianças: não tinham material suficiente para todos, e os próprios professores não possuíam grande conhecimento acerca do desenvolvimento infantil. Rita Kramer, na biografia de Maria Montessori, Maria Montessori: A Biography, descreveu que estas instituições escolares pobres em conhecimento desde cedo permitiram a Maria perceber qual era o modelo que a escola não deveria seguir.
Depois de concluir os estudos básicos, Maria interessou-se por Matemática e mais tarde por Biologia, matéria que a incentivou a tomar a decisão de estudar Medicina. Naquela altura, uma mulher médica era impensável, sobretudo para alguma elite de Roma. Durante o curso, deu explicações de forma a ganhar o seu próprio dinheiro para pagar a faculdade, um ponto que se conecta com as ideias que partilharia mais tarde sobre a independência financeira dos adolescentes, como iremos ver adiante. Desta forma, Montessori conquistou o feito de ser a primeira mulher a inscrever-se e a formar-se em Medicina em Itália.
Recém-formada, é encaminhada para médica assistente da Clínica Psiquiátrica da Universidade de Roma e começa a trabalhar com crianças, que na altura se considerava serem diminuídas intelectualmente. Nesta fase, fá-lo com crianças marginalizadas. Após algum tempo de observação, Maria concluiu que muitas delas não tinham problemas físicos ou mentais, mas educacionais, que não lhes permitiam integrar-se na sociedade. A partir daí, Maria passou a dedicar-se ao estudo da criança e à sua «pedagogia científica». Muitas dessas conclusões foram focadas no papel do adulto, nomeadamente que este teria de mudar a forma como via o lugar da criança na sociedade.
No seu estudo, Maria Montessori conheceu o trabalho de dois colegas franceses, Jean Itard e Edouard Séguin, que chegaram às mesmas conclusões que ela de forma independente. Itard é considerado um dos fundadores do ensino especial e o primeiro médico a defender que um ambiente pedagogicamente interessante e preparado para as crianças poderia compensar alguns problemas de desenvolvimento. Séguin refinou o trabalho de Itard e criou material sensorial que permitia que as crianças aprendessem através dos cinco sentidos e não apenas da visão e da audição. Este material foi um sucesso em escolas dedicadas a crianças com necessidades educativas especiais e alvo da curiosidade de Montessori, que começou a usá-lo na sua prática clínica com crianças marginalizadas. Depois de ter trabalhado durante algum tempo com estes materiais, inscreveu algumas dessas crianças no exame habitual da escola tradicional, e o incrível aconteceu: os resultados foram tão bons ou melhores do que os das restantes crianças sem qualquer problema diagnosticado.
Em Turim, Maria Montessori foi convidada a participar num congresso, onde defendeu que todas as crianças, inclusive as menosprezadas pela sociedade, deveriam ter acesso à educação, tendo estas ideias conduzindo a atenção do então ministro da Educação italiano, Guido Bacelli, que a convidou a dar uma série de palestras em Roma sobre o tema. Como resultado, uma escola contactou-a para que assumisse o cargo de diretora, papel que desempenhou pelo período de dois anos. Mais tarde, Montessori disse: «Estes dois anos de prática foram, sem dúvida, o meu primeiro e verdadeiro curso em Pedagogia.»
Em 1907, com esta energia de mudança, Montessori abriu a primeira escola num bairro degradado que era habitado por pessoas muito pobres: chamou-lhe Casa dei Bambini (Casa das Crianças, em português). Iniciou com cerca de cinquenta crianças, com idades entre os dois e os seis anos.
As primeiras crianças a chegar estavam com medo, apreensivas, a chorar. Em vez de as repreender e de as obrigar a ficar, Montessori acolheu-as. Para termos uma noção do tempo e espaço da época, estas crianças não estavam habituadas a quaisquer práticas de higiene, nem mesmo às mais básicas, fosse lavar as mãos ou assoar o nariz. Através do cuidado de si próprio e do ambiente-escola, Montessori conseguiu que, ao longo das semanas, o comportamento dos alunos mudasse por completo, transitando de um completo desinteresse e rebeldia para o entusiasmo. As crianças começaram a executar sozinhas as tarefas diárias da escola, como varrer o chão e limpar os móveis, bem como trabalhar com o material disponível.
Várias pessoas começaram a visitar a Casa das Crianças para poderem comprovar a forma como estas se mostravam interessadas na escola e a forma revolucionária como aprendiam. Alguns jornais e publicações referiam inclusivamente que o «milagre» acontecera naquele bairro onde Maria Montessori estava a aplicar a sua metodologia.
É importante realçar que o Montessori é considerado um método científico, uma vez que todo o modelo educativo se baseou numa cadeia de acontecimentos muito semelhantes aos de uma experiência científica: a formulação do problema; a observação; a colocação de hipóteses; a experimentação; e a apresentação dos resultados. A realização destas etapas conduziu à defesa da teoria no primeiro livro publicado por Maria Montessori, intitulado O Método da Pedagogia Científica Aplicada à Educação Infantil na Casa das Crianças.
Nos anos seguintes, Maria Montessori correu o mundo para divulgar o seu método, deu inúmeras palestras e publicou vários livros e artigos científicos. Morreu em 1952, aos 81 anos, quando foi nomeada pela terceira vez para receber o Nobel da Paz pelo seu profundo contributo para a educação da criança. Hoje em dia, existem mais de oito mil escolas Montessori espalhadas pelo mundo.
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