“Solidarizamo-nos com as pessoas executadas, desaparecidas, torturadas e exiladas, até hoje sem justiça. O movimento de mulheres foi muito importante contra a ditadura e agora lidera a exigência de justiça contra a impunidade dos delitos cometidos durante a ditadura”, indica à Lusa Lídia Massardo, de 57 anos.
Sob o lema “Nunca Mais”, uma maré feminina cercou o Palácio La Moneda, a sede do Governo do Chile, bombardeada a mando do ditador Augusto Pinochet, num grau de destruição que estarreceu o mundo.
Dentro do Palácio, o presidente socialista Salvador Allende, democraticamente eleito, preferiu dar um tiro na cabeça com a espingarda que lhe tinha sido oferecida pelo líder cubano Fidel Castro, do que render-se.
A manifestação, que simbolicamente visa proteger a democracia, realizou-se em silêncio, quebrado de vez em quando por palavras de ordem emocionadas.
“As mulheres foram muito prejudicadas – foram mães, esposas e filhas de presos, desaparecidos e mortos pela ditadura. Ocupamos um papel fundamental na família, núcleo fundamental da sociedade e sobre cada uma de nós, houve um peso tremendo de dor”, desabafa Lidia.
Os milhares de velas femininas visavam também “iluminar” o caminho dos que se foram e pedir que a Justiça abandone a cegueira.
“Cresci em democracia, mas no colégio nunca nos ensinaram corretamente o que aconteceu. Até há pouco tempo, não se falava de ‘golpe militar’, mas de ‘pronunciamento militar’. Para algumas famílias, o assunto era tabu. Crescemos com o costume de que, à mesa, não se falava de política nem de religião. Só agora a verdade começa a surgir com mais naturalidade”, explica à Lusa Melissa Leyton, de 33 anos.
Segundo esta manifestante, havia medo e censura durante a democracia e o plano elaborado por Pinochet funcionou perfeitamente e ninguém pagou pelo que fez.
Augusto Pinochet deixou o governo em 1990, ao ser derrotado num plebiscito em 1988, mas não perdeu o poder. Manteve-se como chefe do Exército, um cargo com autonomia dos demais poderes da República e depois tornou-se senador vitalício, cargo criado por ele para manter o poder e a impunidade. Morreu em 2006 sem ser condenado.
“E é por isso que ainda está tudo muito vivo, porque 50 anos depois não há justiça. Todos nós procuraremos pelos nossos parentes desaparecidos até o último dos nossos dias. Isso é vital. Se quisermos avançar, tem de haver justiça. Para se perdoar, é preciso a verdade, caso contrário, isto vai-se arrastar eternamente”, diz Melissa.
As pequenas chamas das velas também representam essa esperança por encontrar os 1.162 desaparecidos que ainda não foram encontrados.
A 21 de agosto, o supremo tribunal condenou três agentes da antiga Direção de Inteligência Nacional (DINA), a polícia secreta de Pinochet, por aplicarem torturas de violência sexual num centro clandestino de prisão, tortura e morte conhecido como “Venda sexy”.
Segundo o Ministério da Mulher, 3.399 mulheres declararam ter sofrido violência sexual durante torturas cometidas durante a ditadura.
A deputada Gloria Naveillán, do partido Social Cristão, classificou as denúncias de abuso sexual como um “mito urbano”.
“É muito difícil avançar como sociedade com líderes deste tipo. É uma perversão, uma negação. Essas mulheres foram violadas e abusadas sexualmente. Sofreram violência sistemática mas, por serem mulheres, não podiam falar”, indigna-se Melissa.
Triana Suárez, de 68 anos, conta à Lusa que manifestações como esta mostram como as chilenas são capazes de dizer o que querem e como querem.
“São as mulheres que levaram contenção ao interior de famílias afetadas pela ditadura. Mantivemos a memória viva e, quando os chilenos saíram às ruas contra o regime, as mulheres eram a maioria”, sublinha Triana.
Em 17 anos, o regime de Pinochet deixou um saldo de 38.254 mil torturados e de 3.216 mortos, além de uma ferida ainda em carne viva na sociedade chilena.
*Por Márcio Resende, da agência Lusa
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