Em audiência no Tribunal de Sintra, a procuradora do Ministério Público justificou o pedido com base na convicção de que a arguida, cidadã guineense residente em Portugal, "teve conhecimento e consentiu o que foi feito" à sua filha de três anos, Maimuna, durante uma estadia de três meses na Guiné-Bissau.
Quando voltou da viagem à Guiné, em março de 2019, Rugui levou Maimuna a um centro de saúde, alegando que a filha estava vermelha na zona genital, apontando como causa o uso de fraldas no calor do país africano de língua portuguesa.
As enfermeiras que a atenderam identificaram uma infeção urinária e suspeitaram que esta tivesse sido causada por uma excisão genital. Posteriormente, foi pedida uma perícia médica à menina que confirmou essa possibilidade.
Nas alegações finais, a procuradora justificou o pedido de pena de prisão efetiva - não obstante a arguida, de 20 anos, não ter antecedentes criminais - com a "gravidade extrema" do crime, "violação de direitos humanos" para a qual se impõe "tolerância zero".
A procuradora não precisou a duração da pena, mas considerou que só a prisão efetiva será eficaz para punir a conduta da arguida, que acusou de "ocultar a verdade" e de produzir testemunho "inconsistente".
Por seu lado, o advogado de defesa, Jorge Gomes da Silva, assegura que, dada a natureza da tradição do fanado, ritual de iniciação da Guiné que inclui a excisão feminina ou a circuncisão feminina, a arguida não teria submetido a filha num dia e voltado para Portugal logo a seguir, nem teria levado a menina ao centro de saúde, sabendo de antemão que teria cometido um crime.
Nas alegações finais, o advogado sensibilizou o tribunal para a juventude da arguida, que "não é uma delinquente" e "luta pela vida, pautando a sua conduta pelas regras" de Portugal.
O advogado reconheceu a importância de se julgar mais casos sobre este tema, mas considera que a justiça portuguesa "não está" preparada para a dimensão cultural e comunitária de um fenómeno complexo como o fanado, analisando-o de um ponto de vista eurocêntrico e exclusivamente científico.
"Dou a minha vida pela minha filha", garantiu Rugui, no final da sessão, tendo o tribunal marcado a leitura da sentença para 8 de janeiro, às 14:00.
Rugui voltou a garantir ao tribunal que não deixou a filha à guarda de outras pessoas na Guiné, que a pudessem ter submetido à prática.
Antes da audiência de hoje, Umo Djaló, mãe de Rugui, atestou que as suas filhas passaram pelo fanado e foram sujeitas à prática, com exceção da mais nova, de onze anos.
"Arrependi-me. Se pudesse voltar atrás, voltava", garantiu, explicando que, na altura, não tinha informação sobre os efeitos nefastos da prática. "Era cultura", justifica, adiantando que só depois de vir para Portugal descobriu, na Mesquita de Central de Lisboa, que a mutilação genital não era um preceito da sua religião, o Islão.
Umo garante que Rugui "nunca falou no fanado" e que "a nova geração" não segue a prática, pois está informada sobre as suas consequências.
Rugui e a mãe são oriundas de Bissau, a capital guineense, e pertencem à etnia fula, uma das que é identificada com a prática da mutilação genital, punida por lei na Guiné desde 2011.
A Guiné-Bissau é o único país de língua portuguesa que figura nas listas internacionais da prática de mutilação genital feminina, estimando-se que metade das suas mulheres tenham sido excisadas.
O combate à mutilação de meninas e jovens tem produzido efeitos na Guiné, graças ao empenho de ativistas pelos direitos humanos e ao envolvimento de associações locais, com o apoio de organizações internacionais, com uma visível diminuição de casos e a criminalização legal da prática.
Segundo dados oficiais, 39% das crianças com menos de 15 anos tinham sido excisadas em 2010, percentagem que desceu para 30% em 2014, redução acompanhada por uma mudança de mentalidade na Guiné.
(Artigo atualizado pela primeira vez às 16:03 e novamente às 17:43)
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