O realizador norte-americano Peter Bogdanovich morreu hoje aos 82 anos, adiantam as revistas Variety e Hollywood Reporter, sendo que a segunda confirmou o óbito junto da filha, Antonia Bogdanovich. A morte foi por causa natural.
Tendo como imagem de marca os óculos de grossa armação e o lenço ao pescoço, Bogdanovich fez parte da geração dos "movie brats" — onda de novos realizadores que surgiu em Hollywood nos anos 60 e 70 e que inclui nomes como Steven Spielberg, Martin Scorsese, Stanley Kubrick e Francis Ford Coppolla, entre muitos outros —, notabilizando-se por filmes como "A Última Sessão" (1971), "Que se Passa, Doutor?" (1972) e "Lua de Papel" (1973).
"A Última Sessão", em particular, catapultou-o para o estrelato — até então realizara apenas dois filmes; um deles, "Targets", foi por si escrito, produzido, editado e realizado. Este drama de 1971 recebeu oito nomeações nos Óscares, dois deles diretamente para Bogdanovich, de Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado — a história passou à tela a partir de um romance do escritor Larry McMurtry, do mesmo nome.
Foi com esta fama de realizador-autor, que tanto escrevia como dirigia as câmaras, que assinou os dois filmes seguintes: "Que se Passa, Doutor?", comédia inspirada nos clássicos da era dourada de Hollywood com Barbra Streisand e Ryan O’Neal, e "Lua de Papel", comédia-drama que lhe valeu a nomeação de melhor realizador nos Globos de Ouro e a Tatum O’Neal a estatueta dourada de Melhor Atriz Secundária, a mais nova de sempre então distinguida pela academia.
A sequência vitoriosa fez atraiu a atenção do estúdio Paramount Pictures, que o incluiu na empresa de produção Director’s Company, ao lado de Coppolla e William Friedkin, dando-lhes total liberdade para fazerem o filme que quisessem, desde que respeitando orçamentos.
Todavia, foi aí que começou a sua rota descendente, com a adaptação para cinema de "Daisy Miller", livro de Henry James, em 1974 e que não só foi um fracasso junto da crítica, como também foi visto como uma forma de promover a sua namorada à época, Cybill Shepherd, no papel principal. Seguiram-se outros dois filmes que minaram a sua credibilidade: "At Long Last Love", de 1975, e "Nickelodeon", de 1976, ambos falhanços de bilheteira.
A partir daí, apesar de ser responsável por alguns filmes bem sucedidos, como "Máscara", de 1985, ou "The Cat's Meow", de 2001, nunca mais teria o mesmo ímpeto criativo do início de carreira, ou o sucesso. De destacar ainda o assassinato da atriz Dorothy Stratten, em 1980, que viria a ensombrar a estreia de "Romance em Nova Iorque", no ano seguinte, e com quem o realizador terá tido um caso. O seu último filme comercial foi a comédia "Ela é Mesmo... o Máximo", de 2014.
O cinema documental permaneceu igualmente entre as suas preferências, com títulos como "Tom Petty and the Heartbreakers: Runnin' Down a Dream", dedicado ao músico norte-americano, e "The Great Buster", o seu derradeiro trabalho, uma biografia do herói do cinema mudo Buster Keaton, com mais de uma hora e 40 minutos de duração, que o Festival de Veneza distinguiu como melhor documentário, em 2018.
Nascido em 30 de julho de 1939 em Kinsgton, cidade no estado de Nova Iorque, Bogdanovich era filho de um pianista sérvio e de uma pintora austríaca que emigraram para os Estados Unidos para fugirem ao nazismo.
A par da sua carreira como realizador, toda a sua vida foi movida pelo amor ao cinema. A sua carreira teve início como programador no MoMa, em Nova Iorque, e como crítico de cinema na revista Esquire, inspirado pelos críticos franceses que escreviam no Cahiers du Cinéma. Foi assim que decidiu ser realizador e atraiu a atenção de Roger Corman, realizador de culto que o tomou sob a sua tutoria e levou aos primeiros trabalhos.
A partir de meados da década de 1990, o realizador dirigiu sobretudo filmes para televisão, e chegou a assinar a realização de um episódio da série “Sopranos”, da qual fez parte do elenco, recorrentemente, como Elliot Kupferberg, o terapeuta da terapeuta de Tony Soprano.
À frente das câmaras, Bogdanovich acumulou ainda outros pequenos papéis enquanto ator, como nos filmes Kill Bill, em que fez de DJ, e em alguns episódios de séries como “Lei & Ordem: Intenções Criminosas”, “Rizzoli & Isles” e “Get Shorty”.
.A sua dedicação ao cinema também se manifestou na produção literária, cunhando ainda nos anos 60 livros para o MoMa sobre os filmes de Orson Welles, Howard Hawks, Alfred Hitchcock e John Ford.
Foi também da sua pena que saíram títulos como "This is Orson Welles", livro de entrevistas feitas com o famoso realizador, “Who the Devil Made It: Conversations With…”, coleção de entrevistas com Hawks, Hitchcock e George Cukor, e “Who the Hell’s in It: Conversations With Legendary Actors”, projeto de natureza similar onde falou com atores como Lauren Bacall, Henry Fonda, Humphrey Bogart e Charlie Chaplin.
O cineasta esteve em Portugal pelo menos uma vez, em 1999, na III Bienal de Cascais, onde foi homenageado e também agraciado pelo Presidente da República de então, Mário Soares, com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique.
Em abril do ano passado, aquando da reabertura da Cinemateca Portuguesa, após alguns meses encerrada no âmbito das medidas decretadas pelo Governo para tentar conter a pandemia da covid-19, esta instituição anunciou uma retrospetiva da obra de Peter Bogdanovich, que ainda não chegou a acontecer.
Numa entrevista ao 'site' C7nema, em 2021, quando foram assinalados os 50 anos sobre a estreia de "A Última Sessão", Peter Bogdanovich disse, sobre o filme e sobre o cinema independente em que sempre apostou: "Não fizemos uma revolução, só mudámos o processo. Os filmes pararam de ser feitos para estrelas, como os estúdios queriam, e passaram a abordar temas que traziam a realidade à tona. Só demos uma injeção de realismo às veias do cinema".
*com Agência Lusa
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