O jornalista Vicente Jorge Silva, cofundador e primeiro diretor do jornal Público, morreu na madrugada de hoje, em Lisboa, aos 74 anos, disse à agência Lusa fonte da próxima da família. A informação foi avançada pelo próprio diário.
Nascido em 08 de novembro de 1945, no Funchal, Vicente Jorge Silva era um apaixonado por cinema, mas o jornalismo levou a melhor, experimentou a política, tendo sido deputado, mas foi uma experiência de que não gostou.
"O cinema era um grande sonho", mas era mais difícil "ser cineasta do que jornalista, afirmava na entrevista "Uma vida, uma história" à RTP Madeira, em 18 de março de 2016, acrescentando que quando tinha más notas os seus pais não o deixavam ir ao cinema.
Como realizador de cinema foi autor de "O Limite e as Horas" (1961), Vicente Fotógrafo (1978) ou "Porto Santo" (1997), entre outros.
Na entrevista à RTP Madeira, admitiu ter sido sempre "um bocadinho rebelde" desde o início da "idade da razão" e relatou que começou a ter problemas com a Polícia Política no Estado Novo, com cerca de 14 anos.
Com 18 anos foi para Paris, onde trabalhou numa fábrica de cola, uma experiência que classificou de "importante" por ser "formativa", seguindo depois para Inglaterra, onde lavou pratos num hotel. Já em Londres, tentou inscrever-se numa escola de cinema, mas o consulado português não lhe prolongou o visto, o que ditou o seu regresso à Madeira.
Contava que o facto de ser "muito surdo" o tinha livrado da guerra colonial, tendo sido dispensado "de todo o serviço militar".
Entretanto, em 1966, integrou a direção do Comércio do Funchal, jornal de oposição ao regime de Salazar e, em agosto de 1974, rumou a Lisboa para ingressar no semanário Expresso, onde chegou a diretor-adjunto.
No Expresso foi responsável pelo lançamento da Revista, uma inovação na imprensa da época e que deu grande prestígio ao semanário, que se tornou uma referência. Quando saiu para fundar o Público, não sem antes ter proposto a Pinto Balsemão a criação de um diário, parte da redação seguiu-o, provocando um abalo significativo no Expresso.
Em 1990, fundou o jornal Público, tendo sido o seu primeiro diretor. É dele a expressão polémica "geração rasca", num editorial sobre as manifestações de estudantes contra a ministra da Edução da altura, Manuela Ferreira Leite, do governo de Aníbal Cavaco Silva.
"O Belmiro de Azevedo [empresário que liderou o grupo Sonae, dono do Público, entretanto falecido] não era especialista no negócio jornalístico, e eu também não era. Nós tínhamos era um projeto de um jornal [Público] que gostávamos de fazer e depois vimos quem é que em Portugal poderia financiar um projeto destes. Claro que seria muito mais prático ser o Pinto Balsemão, se ele estivesse para aí virado. Mas não estava. Eu achava que o Expresso era sempre a mesma coisa e queria fazer uma coisa que saísse todos os dias e acompanhasse a atualidade de uma forma muito mais viva", contou, em setembro do ano passado, em entrevista ao Observador.
Em 1996, sai do Público, com 51 anos, e passa a dirigir a revista Invista, que durou pouco tempo.
"De facto, desde o Público nunca mais tive uma coisa que me enchesse as medidas", admitiu ao Observador, há exatamente um ano.
Vicente Jorge Silva foi militante e deputado do PS - eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa -, entre 2002 e 2004.
Não gostou da experiência como deputado porque para um jornalista "não é possível mudar de pele e alma", afirmou, numa entrevista há quatros anos, ressalvando que este comentário não se traduzia numa crítica à essência da vida política.
"Desde que me conheço [...] sempre me considerei uma pessoa de esquerda democrática", afirmava, um social-democrata no sentido sueco, apontado Olof Palme como seu herói.
Na sua carreira destacam-se dois prémios: Cupertino Miranda e Procópio e a rejeição de uma condecoração.
"Só não gosto de condecorações", afirmou há quatro anos.
Apesar de não ter "um feitio fácil", Vicente Jorge Silva admitia que de "alma e coração" era um romântico.
O jornalista foi colunista de vários jornais, entre os quais o Diário de Notícias e o Público, onde regressou nos últimos anos, ocupando a coluna que tinha sido de Vasco Pulido Valente.
Há precisamente 20 anos, em 28 de setembro de 2000, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português por violação da liberdade de expressão do antigo diretor do Público Vicente Jorge Silva.
A queixa tinha sido apresentada ao Tribunal Europeu em 15 de julho de 1997, na sequência de um processo iniciado com um editorial de Vicente Jorge Silva, publicado em 10 de junho de 1993, a propósito do anúncio de que Silva Resende seria o candidato do CDS/PP à Câmara Municipal de Lisboa.
No texto, o jornalista afirma que "nem nas arcas mais arqueológicas e bafientas do salazarismo seria possível desencantar um candidato ideologicamente mais grotesco e boçal, uma mistura tão inacreditável de reaccionarismo alarve, sacristanismo fascista e anti-semitismo ordinário".
Na sequência do artigo, Silva Resende - advogado e antigo dirigente do extinto PDC (Partido da Democracia Cristã), mas cujo nome aparecia sobretudo ligado ao desporto como antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol e dirigente da UEFA - apresentou uma queixa-crime contra o então diretor do Público por difamação e abuso de liberdade de imprensa.
Ferro manifesta “profunda tristeza” e salienta vasta cultura
O presidente da Assembleia da República manifestou hoje "profunda tristeza" pela morte do também antigo deputado Vicente Jorge Silva, salientando a sua admiração pelas capacidades intelectuais e vasta cultura do primeiro diretor do jornal Público. "Recebi com profunda tristeza a notícia do falecimento, aos 74 anos, de Vicente Jorge Silva", escreveu Ferro Rodrigues numa nota enviada à agência Lusa.
Vicente Jorge Silva teve uma curta passagem pela política partidária durante a liderança de Ferro Rodrigues no PS, entre 2002 e 2004. Neste período esteve filiado no PS, mas depois considerou "um equívoco" a sua experiência partidária.
"Se o cinema foi a primeira paixão de Vicente Jorge Silva, foi no jornalismo que se destacou antes e após o 25 de Abril, tendo desempenhando um importante papel na renovação da imprensa portuguesa. O seu projeto mais pessoal foi, sem dúvida, o jornal Público, de que foi cofundador e primeiro diretor, e ao qual ficará para sempre associado", salienta o presidente da Assembleia da República.
Ferro Rodrigues refere depois que Vicente Jorge Silva, "após deixar o Público, dedicou-se ao cinema, sem, contudo, abandonar o jornalismo, tendo sido colunista no Diário Económico, no Diário de Notícias e no Sol, regressando, anos mais tarde, ao ?seu' Público".
"Na sua breve incursão pela atividade político-partidária, Vicente Jorge Silva filiou-se no PS, tendo sido deputado à Assembleia da República, eleito pelo círculo de Lisboa (IX Legislatura), ocasião em que tive oportunidade de com ele trabalhar e de consolidar a minha admiração e respeito pelas suas capacidades intelectuais e vasta cultura. No momento do seu desaparecimento, endereço à sua família e amigos, em meu nome e em nome da Assembleia da República, as mais sentidas condolências", escreve Ferro Rodrigues, que liderou os socialistas entre 2002 e 2004.
"Voz e acção" da liberdade de imprensa, destaca a ministra da Cultura
A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou hoje a morte do jornalista Vicente Jorge Silva (1945-2020), que definiu como "voz e ação de um dos valores essenciais da democracia: a liberdade de imprensa". "Voz profundamente ativa e incontornável no espaço público mediático português, o desaparecimento de Vicente Jorge Silva deixa um vazio na história da nossa cultura democrática", sublinha a ministra da Cultura, em comunicado.
Vicente Jorge Silva "promoveu uma transformação cujos ecos ainda hoje guiam a nossa forma de pensar, de ver o mundo e de exigir da imprensa o reforço da democracia e da liberdade", acrescenta Graça Fonseca, na nota de pesar.
"Nome maior do jornalismo em Portugal, marcou uma geração, tendo ajudado a moldar o modo como olhamos para a sociedade, a interrogamos e a transformamos. Corajoso defensor da liberdade, foi um pensador inquieto e exigente em tudo o que fez", salienta ainda Graça Fonseca.
Como jornalista foi distinguido com o Prémio Cupertino Miranda, considerado à época o de maior relevância no jornalismo português, recorda a governante.
(Artigo atualizado às 14:55)
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