“Acho que a Igreja se deve pronunciar sobre as questões políticas, não se deve pronunciar sobre as questões partidárias, e defendo que os católicos devem envolver-se em todos os partidos”, diz em entrevista à agência Lusa o bispo de Setúbal, para quem “um católico, se se identifica com o partido A, com o partido B ou com o partido C, deve-se envolver e empenhar para dar a esse projeto a sensibilidade cristã, católica, que possa daí derivar”.

Manifestando-se “muito preocupado” com a atual situação do país, tira uma conclusão: “nós estamos a colher o que semeámos”.

“Eu aprendi que o estatuto de arguido era um estatuto que era dado a um cidadão para ele se defender, para ele ter mecanismos de defesa de uma acusação que, porventura, lhe era feita, que era uma coisa positiva. E acontecia isso com muita normalidade. A certa altura, não sei sinalizar quando, começou-se a associar o ser arguido a ser culpado, e começou-se a exigir que alguém que exerça funções públicas e que é arguido se demita, e passou a ser regra, ou passou a ser mais ou menos regra”, lamenta o mais jovem cardeal português, de 50 anos.

Para Américo Aguiar, “de um momento para o outro, tudo se está a desmoronar, dia a dia, semana a semana, mês a mês”, admitindo que, no ambiente que o país vive, “no cidadão comum, que acompanha menos a atualidade, [a situação] deve causar grande confusão. De um momento para o outro, vê que todos os eleitos de todos os órgãos são detidos, são acusados, são arguidos, se demitem e, de um momento para o outro, quando tudo parecia estar tão calmo, temos eleições para quase todos os órgãos”.

“Eu pergunto-me se é lícito, se é legal, se é moral, se é aceitável que à condição de arguido, qualquer pessoa nessa circunstância tenha obrigação de se demitir, independentemente do grau da gravidade ou da situação que está em cima da mesa”, acrescenta.

“O que estamos a viver é muito grave, é muitíssimo grave e eu tenho muitas preocupações”, admite o cardeal, que, embora a queda do Governo Regional dos Açores não tenha acontecido devido a qualquer caso judicial, olha também para as eleições antecipadas de domingo no arquipélago e questiona: “E se tudo se complicar, como é que é? E se os resultados das eleições, não derem à luz nenhuma solução, mesmo aritmética que seja? Entramos num ciclo de repetição de eleições?”.

“A democracia é como é, como é óbvio, mas preocupa-me muito, preocupa”, acrescenta, pedindo aos dirigentes políticos que “elucidem sobre os seus projetos, o que é que querem para Portugal, quais são as suas respostas aos problemas dos portugueses”, para que os eleitores saibam ao que vão e escolham, “não o mais simpático, não o mais não sei quê, não o menos não sei quê”, mas que possam escolher um projeto [com que] se identifiquem.

Américo Aguiar, porém, diz acreditar “plenamente naquilo que são os mecanismos que a democracia tem”, apesar de, admitir, que “de vez em quando, era preciso parar e refletir [sobre] se não é preciso olear os mecanismos, e até refletir, 50 anos depois, se há coisas que podem ser diferentes”, como o voto eletrónico.

“É uma coisa [de] que eu tenho medo, mas gostava, que é o voto não presencial, mas tenho medo, também tenho desconfiança, mas há países onde isso acontece, e não acontece nada demais” e que poderá permitir evitar aquilo que o “zanga verdadeiramente, que é metade dos portugueses ficarem em casa nas eleições”, afirma o bispo de Setúbal, acrescentando: “falamos, falamos, mandamos bitaites num café, não sei quê, chega a hora das eleições, está a chover, não vou, está sol, também não vou, e isso é um dos problemas mais graves que temos”.

O cardeal, apesar de achar que “a nossa democracia está sólida, está capaz, está experiente”, não esconde o medo que tem “daquilo que são as novas gerações sem sonho, os jovens que não são capazes de escrutinar um sonho e um futuro para as suas vidas e pensá-lo aqui. Isso pode gerar um fosso geracional e pode gerar uma fratura na sociedade, um desinteresse, uma resignação total”.

Adriano Moreira “dizia que as sociedades precisam de vozes encantatórias ao longo da história. E nós temos um défice de vozes encantatórias. E a história já mostrou que, de vez em quando, surgem vozes encantatórias em contexto democrático que nos levam para os piores caminhos”, avisa, defendendo que os eleitores têm “de estar muito atentos a estas situações”.