A hora muda na madrugada de 30 de outubro, Portugal volta à Hora de Inverno e os relógios atrasam 60 minutos. É verdade que já se tornou um hábito, mas nem sempre foi assim. E cada vez se questiona mais a utilidade desta medida, que remonta à I Guerra Mundial.
A partir de domingo e até à chamada Hora de Verão, quando no último fim de semana de março os relógios adiantarem de novo uma hora, Portugal terá a hora igual ao tempo universal, o que quer dizer que está no fuso horário 0 (igual ao do meridiano de Greenwich, que se convencionou usar como marcador para o tempo).
E se hoje os smartphones mudam a hora sozinhos, evitando eventuais esquecimentos, o mesmo não acontecia em 1992, quando o Governo, chefiado então por Cavaco Silva, adotou o horário da Europa central. A opção foi, porém, muito criticada porque no inverno o sol nascia muito tarde e no verão era de dia até depois das 22h00. A normalidade foi reposta em 1996 pelo Governo chefiado por António Guterres.
O Observatório Astronómico da Ajuda explica que a mudança da hora, com o objetivo de poupar energia, foi falada pela primeira vez há séculos (na altura para poupar velas) e um dos primeiros que a sugeriu foi o cientista, inventor e político americano Benjamim Franklin (1706-1790).
Só em 1916 se aplicou oficialmente a hora de verão e, desde aí, com interrupções e discussões sobre a sua importância. O objetivo inicial era poupar combustível numa época em que este era racionado. Atualmente, o impacto não é tanto a nível económico, mas sobretudo a nível social, e há cada vez mais questões sobre o benefício destas alterações.
Desde 1996 que a mudança da hora acontece em todos os países da União Europeia, no mesmo momento, mas outros países que não fazem parte do grupo dos “28” escolheram seguir as mesmas normas.
Na Europa, só alguns países de Leste não atrasam os relógios uma hora, no próximo domingo, nem os adiantam em março. A Rússia está desde 2011 sem mudança de hora e, em 2014, a Crimeia, que pertencia à Ucrânia, escolheu juntar-se a Moscovo e fez da mudança para a hora russa um acontecimento nacional.
Em África a hora é inalterável na maior parte dos países, o mesmo acontecendo na Ásia, mas no continente americano há mais países que também têm hora de inverno e de verão (mas, ainda assim, são mais os que não mudam do que os que mudam).
Mudança de hora e a saúde
A alteração dos ponteiros do relógio para a hora de inverno traz “mais riscos que benefícios” devido à “súbita exigência de mudança” do “tempo interno” das pessoas, advertiu, a 20 de outubro desde ano, o presidente da Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono
Segundo Miguel Meira Cruz, atrasar os relógios tem impactos negativos na saúde. “Apesar do impacto ser claramente maior no recuo que exigimos ao tempo em meados de março, qualquer das direções em que se proceda uma mudança súbita num relógio de adaptação lenta como o que temos no cérebro, tem prejuízos significativos e potencialmente graves”, adverte.
Apesar de reconhecer que, em teoria, mais uma hora de sono pode promover o bem-estar de quem se encontra privado desta necessidade, na prática verifica-se que “as atitudes não acompanham as intenções e este ganho tem provavelmente uma influência menor”, sublinha.
Meira da Cruz aponta alguns sintomas causados pela alteração da hora, como prevalência de alguns tipos de dores de cabeça, nomeadamente a cefaleia hípnica (surge durante o sono) e a cefaleia em salvas (dor muito forte só num lado da cabeça).
Segundo o especialista em medicina de sono, “estas condições são frequentemente desencadeadas por alterações nos ritmos circadiários estabelecidos naturalmente”. Uma vez que a “capacidade de alerta” da pessoa oscila com o “caráter circadiário” e com o aumento do tempo na escuridão, o risco de acidentes é também aumentado, alerta.
Para o especialista, a mudança da hora “é mais um exemplo do predomínio de interesses económico-financeiros, que vigora no mundo, em detrimento daqueles dirigidos à promoção da saúde”.
“Efetivamente a alteração proposta originalmente por Benjamim Franklin, perspetivava a rentabilização de energia luminosa poupando gastos”, mas “em rigor, não só não se confirmaram os ganhos teorizados, como se tem vindo a descobrir perdas importantes associadas à alteração brusca da hora”, sustenta.
Miguel Meira Cruz não está sozinho. Em março de 2014, um estudo de cardiologistas, apresentado numa conferência nos Estados Unidos, revelou um aumento nos ataques cardíacos na segunda-feira seguinte à mudança para a hora de verão.
A pesquisa foi realizada com base em dados recolhidos em hospitais do estado norte-americano de Michigan, que permitiram concluir um acréscimo de 25 por cento no número de ataques cardíacos na segunda-feira seguinte à mudança de hora.
"Pode ser que as pessoas sejam muito sensíveis à perda de uma hora de sono", disse, à época, o cardiologista Amneet Sandhu, da Universidade do Colorado, em Denver. O especialista concluiu que o resultado do estudo "pode significar que as pessoas vulneráveis a problemas do coração apresentam grandes riscos após as mudanças de horário", afirmou.
Sandhu revelou que foram comparados indicadores no Havai e Arizona, sem hora de verão, possibilitando a conclusão desta pesquisa de quatro anos.
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