“O Ozempic está esgotadíssimo”, disse uma farmacêutica do Porto, ao SAPO 24, depois de alguns telefonemas para farmácias nacionais, escolhidas aleatoriamente.
“O medicamento vem em caixas de 3 dosagens, 0,25, 0,50 e 1 mg e, dos quatros armazéns que nos fornece, está tudo a vermelho, ou seja todos os nossos fornecedores têm as três dosagens esgotadas”, disse a farmacêutica.
O mesmo confirmou outra técnica de uma farmácia em Esposende, também contactada pelo telefone, “o medicamento está, de momento, esgotado”, disse, confirmando a “forte procura pelo mesmo para emagrecer”. As farmácias contactadas não foram capazes de explicar a razão pela rutura no stock.
Ao que o SAPO24 conseguiu apurar, o laboratório que produz este medicamento “está a ajustar o stock, devido à forte procura global por este fármaco”. “Não está esgotado”, garante pelo telefone a Novo Nordisk, laboratório que produz o medicamento e que, posteriormente, confirma por escrito a demanda pelo medicamento em causa.
"A procura de Ozempic (semaglutido) em Portugal mantém-se elevada, o que origina constrangimentos pontuais de acesso ao medicamento, situação que estamos a monitorizar em conjunto com as Autoridades de Saúde. Na eventualidade de risco de potenciais ruturas, iremos notificar e atuar com a antecedência devida, nos tempos previstos na lei portuguesa", declara o laboratório dinamarquês em nota enviada.
Entretanto, fonte próxima do Infarmed diz que não há motivos para preocupação por parte dos doentes com diabetes, tipo 2, dado existirem no mercado inúmeras alternativas ao Ozempic.
Questionada se o laboratório teria de aumentar a quota no fornecimento desse medicamento, a mesma fonte da autoridade do medicamento esclarece que não funciona assim, e refuta a palavra “quota”.
O fornecimento é calculado com base em informações enviadas pelos sistemas de saúde dos países com o número de pessoas com determinada doença. É essa a base principal da distribuição de medicamentos, apurou o SAPO24.
“A indústria farmacêutica estuda os países onde fornece os medicamentos e é com base nessa informação que estabelece quantidades para cada país”, disse a fonte.
“É feita a monitorização do mercado, onde se faz uma procura para desenvolver medicamentos alternativos e similares. As autoridades nacionais contactam os parceiros e fazem a gestão das quantidades com a indústria farmacêutica para ver se há medicamentos similares. É aqui que entram também os genéricos”, explica.
A febre pelo medicamento começou nos EUA
A procura pelo Ozempic começou em finais do ano passado, nos EUA, depois de um grupo de “influencers”, e conhecidos atores de Hollywood, (e Elon Musk) terem partilhado mensagens nas redes sociais a descrever que estavam a utilizar estes fármacos para perder peso rapidamente e sem esforço.
Em junho, a “febre” pelo Ozempic, chegou ao mercado chinês depois das redes sociais terem, também, sido inundadas com publicações de utilizadores a dizerem que “perderam 10 quilos facilmente, utilizando o Ozempic”, escreveu a CNN Brasil, país que também está a registar aumento na procura pelo mesmo medicamento e que se estende à Europa e as outras partes do mundo.
Suspeita de efeitos secundários não listados
Entretanto, surge a suspeita de possíveis efeitos secundários atribuídos à toma das substâncias semaglutido e liraglutido.
A EMA está a investigar a relação que o consumo das substâncias semaglutido e liraglutido, presentes nos medicamentos Ozempic e Saxenda, respetivamente, possa estar relacionados com casos de ideação suicida em pessoas. “Eventuais efeitos adversos que não aparecem nas bulas desses medicamentos”, diz o regulador europeu, citado pelo Público.
Na primeira quinzena de julho, a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em Inglês) confirmou que está a investigar medicamentos antidiabéticos com as substâncias ativas semaglutido e liraglutido, que têm sido utilizados para outro fim, diferente daquele que foram originalmente autorizados para o mercado farmacêutico, disse em comunicado a autoridade europeia do medicamento.
Dos efeitos não listados na bula, reportados até ao momento, a EMA acompanha cerca de 150 casos de ideação suicida ligados ao consumo das duas substâncias ativas.
A informação sobre os casos reportados é escassa - a investigação do PRAC está ainda a decorrer. Entretanto, alguns meios de informação escrevem que a possível ideação suicida poderá estar relacionada com “eventos psiquiátricos” derivados de traumas resultantes da obesidade.
“A obesidade pode trazer traumas de depressão”, disse uma fonte. Contudo, sublinha, não se devem tirar conclusões precipitadas, cabendo entretanto, aos médicos “avaliarem se o paciente apresenta algum histórico depressivo e, nesse caso, não prescrever”.
A avaliação dos riscos sobre estes medicamentos surge na sequência do alerta lançado pela Islândia que diz ter identificado relatos de ideação e auto-agressão em pessoas que tomam medicamentos com a substância ativa semaglutido ou liraglutido.
Em Portugal, há registo de um caso
Ao SAPO24, o Infarmed confirmou que a Autoridade Nacional do Medicamento faz parte desse Comitê de Avaliação de Risco de Farmacovigilância (PRAC, na sigla em inglês), porque existe "um caso de suspeita de ideação suicida”, em Portugal.
“Conforme veiculado pela comunicação publicada na página da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), este risco está a ser avaliado a nível europeu através de um procedimento de sinal de segurança”, escreve a autoridade do medicamento em resposta ao email enviado pelo SAPO24.
“Um sinal de segurança é desencadeado quando surgem informações, provenientes de uma ou várias fontes, que sugerem uma nova associação potencialmente causal, ou um novo aspeto de uma associação conhecida, que justifica uma investigação mais aprofundada. A presença de um sinal de segurança não significa necessariamente que um medicamento causou o evento adverso em questão”.
O Infarmed esclarece ainda que o caso português “está a ser alvo de investigação no âmbito do Comité de Avaliação do Risco em Farmacovigilância (PRAC), da EMA, de uma forma agregada com todos os outros casos semelhantes, no sentido de se verificar qual a probabilidade dos medicamentos da classe estarem relacionados com a ocorrência do referido risco”.
Por essa razão, o referido PRAC, “recomenda aos doentes e profissionais de saúde que, tal como todos os medicamentos, os medicamentos da classe dos agonistas dos recetores GLP-1, devem ser utilizados de acordo com as suas indicações aprovadas”.
E acrescenta que toda a informação sobre este procedimento de avaliação pode ser consultada no portal da EMA e no do Infarmed, “tendo o mesmo tido início no corrente mês, com previsão de conclusão em novembro de 2023”.
A juntar-se ao Ozempic, está o Saxenda, ambos comercializados em farmácias portuguesas. O Saxenda está indicado para a perda de peso e o Ozempic para a diabetes, tipo 2, e é utilizado, em conjunto com dieta e exercício, no tratamento de adultos cuja diabetes não se encontre satisfatoriamente controlada.
Comparticipados pelo Estado, “no tratamento da diabetes” e não para outros fins
Sobre o Ozempic e o Saxenda, o Infarmed sublinha que para além de estarem ambos devidamente autorizados para comercialização, em Portugal estes medicamentos são comparticipados pelo Estado, “no tratamento da diabetes” e não para outros fins.
“O medicamento Ozempic encontra-se autorizado e comparticipado para o Tratamento de adultos com diabetes mellitus tipo 2 insuficientemente controlada com IMC igual ou superior a 35 kg/m2, como adjuvante à dieta e exercício, em adição a outros medicamentos para o tratamento da diabetes, para ser utilizado em 2ª e 3ª linhas terapêuticas, pelo que a utilização off-label (i.e., fora das especificação da AIM) para o tratamento da obesidade não se encontra comparticipada”, escreve o Infarmed.
“Este medicamento apenas foi submetido com a indicação terapêutica acima descrita e mais nenhuma”, sublinha a autoridade nacional do medicamento na missiva enviada por e-mail.
Acontece que o Ozempic, tem sido bastante requisitado por médicos em “off label”.
Segundo apurou o SAPO24, os medicamentos em “off label” são aqueles que são receitados para fins diferentes daqueles que foram estudados e produzidos pela indústria farmacêutica. A prescrição de medicamentos “off label” significa que o médico terá de justificar clinicamente a razão porque o receitou.
“Por vezes, acontece o médico prescrever medicamentos “off label” porque não existem fármacos para determinado fim, contudo a prescrição desses medicamentos precisa de justificação clínica fundamentada”, disse uma fonte da Direção Geral de Saúde (DGS), ao SAPO24, que, refere, não ser da sua competência pronunciar-se sobre o tema em específico, remetendo para o Infarmed e para a Ordem dos Médicos.
O Infarmed também não se pronuncia, deixando claro que lhe “compete avaliar medicamentos”, muitas vezes, e na grande maioria, “com a colaboração dos médicos”.
"Ainda bem que é possível aos médicos recomendar medicamentos “off label”. Caso contrário, “como seria, por exemplo, em situações de pediatria”, disse uma fonte contactada pelo SAPO24.
A prescrição “off label” é prática comum, sobretudo em ambiente hospitalar, porque “não há medicamentos para todas as doenças, daí recorrer-se a medicamentos com substâncias ativas parecidas ou mais próximas das necessárias para o tratamento mais adequado”, explica.
Infarmed recomenda a “prescrição em consciência”
De modo a evitar rutura no fornecimento, o Infarmed chegou a apelar aos médicos que prescrevam “em consciência” este medicamento, antes da mesma recomendação do PRAC.
O SAPO24 sabe que o Infarmed ativou uma mensagem, na forma de “pop-up” que surge no sistema de prescrições dos médicos, quando o fármaco é selecionado.
“Confirma-se a existência de um alerta específico nos softwares de prescrição (na forma de pop-up) para enquadramento da prescrição do semaglutido e de outros medicamentos antidiabéticos da mesma classe, o qual foi introduzido por decisão do Ministério da Saúde.
Esta justificação mantém-se ativa”, confirma a autoridade, sobretudo nesta fase em que o medicamento está a ser investigado pela Farmacovigilância.
O SAPO24 tentou obter um comentário sobre este tema junto da Ordem dos Médicos, mas não teve sucesso em nenhuma das tentativas, até à publicação do artigo.
(artigo editado às 19:04)
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