“Acredito mesmo que se há forma de defender a liberdade é mesmo promover a leitura, porque a leitura liberta e permite-nos exprimir livremente aquilo que cada um escreve, qualquer que seja a língua em que escreve”, disse António Costa, no Porto, no âmbito da apresentação do Plano Nacional de Leitura (PNL) 2027.
O primeiro-ministro recordou que viveu na infância uma experiência familiar que lhe fez perceber que “ler é mesmo sinónimo de liberdade”, ao ver a sua mãe, jornalista, a ter que reescrever os seus textos censurados pela ditadura.
“O meu pai, há 43 anos, tinha toda a sua obra proibida: três livros de poesia, uma peça de teatro, dois romances. Tudo escrito e tudo proibido e por isso percebo bem qual o valor da liberdade e da liberdade de expressão”, sustentou.
As linhas orientadoras do PNL 2027 foram aprovadas em março, pelo Conselho de Ministros, e serão agora aplicadas e monitorizadas por uma comissão liderada por Teresa Calçada e Elsa Maria Conde.
Segundo António Costa, “escolher este dia para apresentação do PNL” poderá parecer óbvio, por ser o Dia Mundial do Livro, contudo, na sua opinião, a apresentação acontecer em abril, a poucos dias do 25 de Abril, tem mais significado, porque trata-se do “mês da liberdade”.
“E para mim ler é sinónimo de liberdade, não é só pela liberdade de expressão que a escrita também permite manifestar, não é só pela liberdade de assumirmos conhecimento, mas é sobretudo porque a leitura e uma das grandes formas de aceder à cidadania”, vincou.
Costa disse ainda que toda a sua geração “é ainda tributária da luta daqueles que travaram a batalha pela liberdade de expressão”.
“Os anos e as décadas de ditadura são contemporâneas dos anos e das décadas que criaram o maior défice estrutural do país, que é o do conhecimento, e não é por acaso que andaram passo a passo, é porque a ignorância e a ditadura são gémeas, enquanto o conhecimento e a democracia têm que ser parceiras”, afirmou.
O primeiro-ministro considerou ser muito importante que neste PNL 2027 “não se olhe para o digital como ameaça, mas como uma oportunidade de levar mais longe a leitura, de conquistar mais leitores” e de se perceber que os hábitos mudaram. “O decisivo é chegar à leitura”, defendeu, considerando assim que tanto os computadores como até a música permitem aumentar os leitores.
Costa salientou, no entanto, que um livro “tem uma riqueza muito importante” e que hoje, “cada vez mais, a cidadania exige a compreensão da complexidade”. “E a complexidade dificilmente é redutível a pequena leitura do Twitter. Vemos bem que quem governa por Twitter não tem contribuído muito para o enriquecimento da democracia”, afirmou.
No seu discurso, o primeiro-ministro salientou ainda que a leitura também “permite adquirir uma visão mais compreensível da realidade”.
O primeiro-ministro destacou que “vale a pena e tem valido a pena o investimento” no PNL, dando como exemplo o facto de quando o programa começou Portugal estava no penúltimo lugar nos testes PISA, em 28 países, e os últimos dez anos já estava a meio da tabela, entre 53 países.
A ideia fundadora do PNL 2027 é “a palavra"
O PNL para a próxima década visa promover as competências da leitura e literacia junto de crianças, jovens e adultos. Criado em 2006 para melhorar as competências de leitura e escrita dos mais novos, uma década depois a estratégia do Governo é alargar o PNL a adultos e a outros campos da literacia, nomeadamente a científica e a digital.
A comissária do Plano Nacional de Leitura (PNL) 2027, Teresa Calçada, defendeu também hoje que “a leitura deve ser vista e protegida como um bem a que todos têm direito e a que todos devem ter acesso”. “É um dos direitos humanos, ler é ter dignidade e liberdade, ler é poder”, afirmou.
Para a responsável, o combate pela leitura não se esgota numa escolarização crescente. “Numa sociedade em que a dispersão, a superficialidade e a distração são dominantes e em que, por força de múltiplas razões - e em grande medida a dos algoritmos que condicionam as nossas vidas mais do que se julga -, se confunde abundância de dados com saber validade, exige-se valorização social da leitura”, sublinhou.
Segundo a responsável, a ideia fundadora do PNL 2027 é “a palavra, tomada do seu sentido capital, fala o mundo”. De acordo com a comissária, este PNL 2027 tem como uma das suas linhas de força “colocar a leitura e a escrita no centro da escola, de modo a desenvolver as competências leitoras, aprender a ler, interpretar, compreender, ler de forma orientada em sala de aula, ler a par, em voz alta, silenciosamente, ler mais, em grupos, em clubes, ler sempre e em todo o lado”.
O objetivo é permitir que os alunos consigam “ lidar de forma crítica com informação, para estruturar o conhecimento, melhorar as aprendizagens, a qualificação e o sistema educativo”. “Aprender a ler e ler para aprender é uma máxima a honrar”, sustentou.
Outra linha do PNL, apontou, é a realização de estudos científicos que permitam uma “perceção longitudinal da evolução das competências e práticas leitoras dos portugueses”, como base para diagnóstico, tomadas de decisões e identificação de novas linhas de inovação e investigação.
“Como linhas de força pretendemos alargar o público alvo, das crianças aos adultos, designadamente jovens adultos e adultos em qualificação, certos da necessidade e do valor de aprender ao longo da vida”, bem como “incentivar a prática de escrita, forma de expressão pessoal, interação e comunicação, enquanto condição para reforçar as capacidades ler, de ler bem, com fluência, conciliando o analógico e o digital”, sublinhou.
O PNL prevê ainda “valorizar todas as literacias em relação às quais a leitura e a escrita são nucleares e transversais, tirando partido do convívio dos textos e do livro, com o áudio, o vídeo e a multimédia”, e “cuidar da leitura por prazer, favorecendo a existência de espaços e tempos, oportunidades formais e informais para exercitar a prática e o gosto de ler”, disse.
Está também previsto consolidar o trabalho colaborativo entre bibliotecas escolares e municipais, alargando-o às bibliotecas do ensino superior.
Para Teresa Calçada, é obrigação do Estado apoiar a prática da leitura, não competindo ao Estado dizer o que se deve ler, mas sim dizer que se deve ler. “Compete-lhe, como em qualquer política publica […], investir, apoiar e criar as condições necessárias e fundamentais para que todos tenham acesso à leitura, mas a leitura não acontece de forma espontânea, adquire-se, é adquirida e, para tal, exige competências, bastantes competências”, sublinhou.
Nesta cerimónia de lançamento do PNL, os ministros da Cultura e da Educação - entre outros governantes, personalidades da vida pública nacional, jovens e crianças - leram excertos de obras escolhidas por si. O ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, escolheu o trava-línguas “O Rato e o Rei”, mostrando o seu “sotaque raiano”, enquanto o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, optou por ler excertos do poema de Eugénio de Andrade “A Casa de Siza [Vieira] na Boa Nova”.
O PNL estará dependente do Ministério da Educação, em articulação com as tutelas da Cultura e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Foi criado em 2006 pelo Governo, para melhorar os níveis de literacia e leitura dos portugueses.
Na primeira década de atividade, o projeto envolveu a realização de estudos, trabalho de promoção do livro e da leitura em todos os agrupamentos de escolas, envolvendo municípios, a Rede de Bibliotecas Escolares, professores, bibliotecários, pais e alunos. Uma das faces mais visíveis do PNL foi a criação de listas anuais de livros, recomendados para leitura para diferentes níveis letivos e em contexto escolar e familiar.
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