"Eu, Luís Filipe Vieira, já era um empresário de renome e relevância na área do imobiliário em Portugal", disse hoje aos deputados durante a sua intervenção inicial na audição na comissão de inquérito ao Novo Banco.

"A minha vida não foi criada com o BES ou com a minha vinda para o Sport Lisboa e Benfica a partir de 2001", tinha já dito inicialmente aos parlamentares, defendendo que já era "reconhecido e prestigiado" quando se juntou ao clube desportivo.

Vieira apresentou-se aos deputados como tendo "71 anos" e sendo "casado, pai de dois filhos e avô de cinco netos".

"Comecei a trabalhar com 14 anos como paquete, serviço externo, e com muito trabalho consegui iniciar uma atividade por conta própria anos mais tarde", disse hoje na Assembleia da República (AR), afirmando que cresceu como empresário "ao longo de mais de 42 anos", primeiro "na área dos pneus e mais tarde no imobiliário".

"Digo-vos isso para que seja esclarecido que quem se apresenta perante vós é uma pessoa com uma história de vida pessoal, familiar e empresarial", referiu.

Luís Filipe Vieira, também presidente da Promovalor, está a ser ouvido pelos deputados na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, no âmbito das audições realizadas aos grandes devedores da instituição financeira.

Depois de ter dito que já era um empresário "reconhecido e prestigiado" antes de ir para o clube, Luís Filipe Vieira recordou o seu percurso no Benfica.

Vieira entrou no clube "primeiro, em maio de 2001, como gestor do futebol", e "depois, em outubro de 2001, como presidente do Conselho de Administração da Benfica Estádio SA", disse aos deputados.

Posteriormente, em 2002 passou a presidente da SAD [Sociedade Anónima Desportiva] do Benfica e, "finalmente, a partir de outubro de 2003, como presidente" do clube da Luz.

"Nessa altura, os fornecedores e os bancos – todos os bancos com quem trabalhava – conheciam-me e apoiavam-me", disse o empresário, referindo-se, em particular, ao Banco Espírito Santo (BES) e ao BCP.

"A minha ida para o Sport Lisboa e Benfica não é apenas uma vontade e um orgulho da minha parte. Foi também um pedido de várias instituições financeiras" que estavam "interessadas na viabilização" do clube, disse o presidente do Benfica no parlamento.

"Interpretei isso como uma prova de confiança nas minhas capacidades e na minha palavra, tendo em conta a situação de extrema fragilidade que o Sport Lisboa e Benfica atravessava no ano 2000", prosseguiu o presidente dos 'encarnados', no cargo desde 2003.

O dirigente desportivo recordou que no início do século XXI o Benfica "encontrava-se numa situação financeira muito delicada, como nunca antes tinha vivido na sua história", classificando de "tristes acontecimentos" as "dificuldades" e "fragilidades" atravessadas pelo clube.

"Os desafios que encontrei no Sport Lisboa e Benfica obrigaram-me a uma dedicação quase exclusiva, incompatível com a gestão das minhas empresas", disse, vendo-se "forçado a reduzir gradualmente" o seu envolvimento na gestão das suas empresas e finalmente optando por "profissionalizar a gestão" das mesmas, através da criação do grupo Inland/Promovalor.

"Não houve nenhum perdão para com o Grupo Promovalor"

"Por muito que seja cómodo publicamente colarem-me às perdas do Novo Banco e às perdas dos contribuintes portugueses, tudo isso não passa de uma tentativa de alterar a realidade: não tive nenhum perdão de capital, nem nenhum perdão de juros. Nem eu, Luís Filipe Vieira, nem o grupo Promovalor", disse Vieira.

"Não pedi perdões de dívida, nem perdão de juros, nem eles me foram dados. É do conhecimento público que muitos empresários tiveram perdões de capital e de juros. Não foi o meu caso", reiterou Luís Filipe Vieira.

O presidente da Promovalor considerou ainda que "é muito fácil colocar o Luís Filipe Vieira como um grande devedor que não cumpriu" e "muito cómodo para muito boa gente colocar o presidente do Benfica como grande devedor da banca que não cumpriu".

Vieira disse no parlamento que isso é cómodo "para os poderes políticos", para "a supervisão bancária" e "para uma certa sociedade que precisa de encontrar culpados".

"Cumpri com tudo o que me foi pedido. E mais: entreguei todos os ativos, não tive qualquer perdão de juros ou de capital, mantive o meu aval pessoal e ainda investi mais capital para ajudar na recuperação", disse o presidente da Promovalor.

"Digam uma, uma só, operação de reestruturação feita neste país com condições tão ou mais vantajosas para os bancos", acrescentou.

Recuando ao início do seu grupo empresarial, Luís Filipe Vieira disse que criou a Inland/Promovalor com 35 milhões de euros em capitais próprios.

"Não foi dinheiro dos bancos, foi património pessoal e das minhas empresas, fruto do meu trabalho e do trabalho de todos aqueles que me apoiaram nos mais de 30 anos que já levava como empresário", disse aos deputados.

Ao longo do seu percurso, Luís Filipe Vieira referiu que continuou a contar com o apoio das instituições financeiras, e não "por ser presidente do Sport Lisboa e Benfica", mas "naturalmente porque os projetos que eram apresentados mereciam uma análise positiva por parte do sistema bancário".

Segundo Luís Filipe Vieira, em 2011 o ativo do grupo Promovalor ultrapassava os 754 milhões de euros, e entre 2006 e 2017 pagou mais de 161 milhões de euros em encargos financeiros ao Novo Banco.

"Não houve nenhum perdão, não houve nenhum facilitismo para com o Grupo Promovalor", defendeu perante os deputados, acrescentando que não gastou nenhum dinheiro dos financiamentos obtidos "nem em iates, nem em aviões, nem em mordomias".

"Não desviei esse dinheiro para contas pessoais, seja aqui em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo", disse, acrescentando que o dinheiro foi aplicado nos projetos imobiliários das suas empresas.

Com a queda do BES, em 2014, a Promovalor "procurou encontrar uma forma de cumprir com as suas obrigações, em particular com o Novo Banco", de acordo com Luís Filipe Vieira.

Aí, as soluções encontradas "mereceram o acompanhamento e a autorização das entidades de supervisão do Novo Banco, nomeadamente do Fundo de Resolução", que tem sido chamado a cobrir as perdas do banco liderado por António Ramalho, com recurso a empréstimos do Tesouro público.

No decurso do trabalho, em 2017 a Promovalor "procedeu à entrega dos seus ativos para pagamento integral das suas dívidas", referiu Luís Filipe Vieira.

“Tenho outros negócios, tenho uma boa reforma. Vivo bem”

“Do que eu vivo? Tenho outros negócios, tenho uma boa reforma. Vivo bem. Por acaso ainda agora veio uma coisa curiosa. Ainda foi reforçada a conta com 2 milhões e tal de euros que eu recebi do fisco”, respondeu, durante o período de inquirição da deputada do BE Mariana Mortágua.

Questionado pela deputada bloquista sobre se tinha rendimentos para além das empresas que são conhecidas e que “foram dadas como penhor e que estão em insolvência”, o presidente da Promovalor disse que tinha “algumas sociedades com outras pessoas” e deu o exemplo de um que se for vendida brevemente lhe dará “à volta de 2 milhões e meio de euros”.

“Em 2018 tinha uma exposição total, se excluirmos o fundo que vendeu ao BES, de cerca de 380 milhões de euros. Já aqui disse que deu um aval pessoal para várias das suas dívidas, que nunca ninguém executou. Temos um parecer interno de 2019 em que nos diz que o único bem em seu nome é uma casa para palheiro”, questionou, no arranque da audição, Mariana Mortágua.

Luís Filipe Vieira negou de imediato e assegurou que nunca o tentaram executar, tendo a deputada do BE insistido para saber qual o património que “está por trás desse aval que deu”.

Depois de uma longa conversa com o seu advogado – como tem acontecido ao longo desta audição por diversas vezes –, o presidente da Promovalor disse: “eu neste momento não estou em incumprimento com o BES nem com ninguém. No dia em que eu tiver que chegar a alguma situação com o BES, logicamente que eu tenho que cumprir com aquilo que está acordado”.

Luís Filipe Vieira deixou claro, depois da insistência de Mariana Mortágua, que tem mais património do que essa “casa para palheiro” referida.

“Nem moro aí nem nunca morei aí nem sei o que é isso tão pouco”, atirou, não vendo “qual é a necessidade” de dizer “o seu património neste momento”.

"Estou aqui porque sou presidente do Benfica"

"Eu tenho a noção exata que estou aqui porque sou presidente do Benfica, senão não estava cá, tenho essa noção exata. Bastou ver o aparato que eu vi todo hoje, comunicação social... tenho a certeza", disse Luís Filipe Vieira no Parlamento.

Vieira foi prontamente interrompido pelo presidente da comissão de inquérito ao Novo Banco, Fernando Negrão (PSD), que disse que "o que se passou lá fora" não "interessa absolutamente nada" aos deputados.

O presidente da Promovalor chegou ao parlamento com mais de meia hora de antecedência face à hora marcada (15:00), e no acesso às salas da comissão de inquérito estavam presentes vários jornalistas, como é habitual em audições mais mediáticas.

Em redor da Assembleia da República também estiveram cortadas ao trânsito várias partes da rua de São Bento e da rua Correia Garção, junto à escadaria do parlamento.

"O senhor não está aqui por causa do Benfica. Relativamente a nós, não está aqui por causa do Benfica", reiterou o presidente da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

A questão tinha sido levantada quando Luís Filipe Vieira começou a falar sobre a gestão do Benfica em resposta ao deputado Duarte Alves (PCP), que lhe tinha perguntado acerca de potenciais conflitos de interesse acerca da venda de participações do Novo Banco na SAD do Benfica.

A palavra passou depois para a deputada Cecília Meireles (CDS-PP), que quis "deixar claro" que Luís Filipe Vieira veio ao parlamento por ser um grande devedor do Novo Banco.

"Se nós olhamos para uma lista das perdas imputadas, acumuladas, que são pagas por todos os contribuintes, o senhor é o segundo maior devedor responsável pelas perdas, e por isso é que está aqui hoje", disse a deputada centrista.

Antes, Luís Filipe Vieira já tinha expressado indignação perante outros devedores, que não identificou, dizendo que "têm iates, têm aviões, pediram a insolvência... mas é aos milhões".

"Quem tentou fazer contas para aquilo que deve e dar a cara, tem que vir para interrogatório", disse o presidente da Promovalor.

O presidente da comissão, Fernando Negrão (PSD) pediu que identificasse "essas pessoas" e também "factos". "Presidente, é tão fácil. Se quiserem ver, é tão fácil", disse Luís Filipe Vieira.

Quem assinou contrato de venda "devia ser enforcado"

Luís Filipe Vieira disse hoje que quem assinou o contrato de venda do Novo Banco, que prevê chamadas de capital ao Fundo de Resolução, "devia ser enforcado".

"Quem assinou esse contrato, deve estar pendurado. Não sei quem foi, pendurem-no", disse.

A deputada Filipa Roseta (PSD), que questionava Luís Filipe Vieira, referiu-se a Mário Centeno, dizendo que "está agora no Banco de Portugal" como governador, tendo sido ministro das Finanças quando foi assinado o contrato de venda.

"Isto vale a pena dizer, devia ser enforcado, uma pessoa que fez uma coisa destas. Assinar um contrato desta natureza não se pode fazer", prosseguiu o responsável da Promovalor, empresa devedora do Novo Banco.

Luís Filipe Vieira e Filipa Roseta estavam a discutir as desvalorizações de imóveis e terrenos cujas perdas são imputadas ao Fundo de Resolução, entidade na esfera pública que tem recorrido a empréstimos do Tesouro para se financiar.

"Acredite: estas imparidades, essas desvalorizações, não existem. Existem contabilisticamente", referiu o também presidente benfiquista, argumentando que se os projetos forem desenvolvidos recuperam o valor.

Anteriormente, Luís Filipe Vieira já tinha descartado responsabilidades nas perdas imputadas aos contribuintes, dizendo que "é cómodo" que se crie essa imagem.

Novo Banco poderá ficar acionista da Promovalor

O Novo Banco poderá ficar acionista da Promalvor quando toda a sua dívida for paga, mesmo que não tenha sido incluída no fundo gerido pela C2 Capital Partners.

"Os VMOCs [Veículos Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis] estão na reestruturação", começou por dizer Luís Filipe Vieira à deputada Mariana Mortágua (BE) durante a sua audição na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, como grande devedor do banco.

"Os 160 milhões de euros são pagos com a reestruturação que nós fizemos agora, porque é por aí que o banco vai buscar o dinheiro", disse o também presidente do Benfica Luís Filipe Vieira, confirmando que os títulos vencem em agosto.

"Eles valem. Mal começarem a desenvolver, vai ver o valor que eles vão ter", projetou Luís Filipe Vieira, uma visão que foi contestada pela deputada bloquista, que o confrontou com a falta de pagamentos nos últimos 10 anos.

A deputada do BE disse que os VMOC não estavam incluídos no fundo de reestruturação da dívida da Promovalor ao Novo Banco criado em 2017 e geridos pela C2 Capital Partners de Nuno Gaioso Ribeiro.

Luís Filipe Vieira, depois de consultar o seu advogado durante quase um minuto, disse que aqueles veículos financeiros "vão converter-se em capital" da Promovalor.

Mariana Mortágua conclui então que "o Novo Banco vai ficar acionista da Promovalor", tendo Luís Filipe Vieira confirmado e adicionado que "é por essa via que vai receber tudo".

"Após o pagamento do fundo, todo o remanescente irá para a Promovalor", disse Luís Filipe Vieira, confirmando depois que o valor servirá "para pagar os 160 milhões de euros" em dívida provenientes dos VMOC.

"Há pagamento", garantiu Luís Filipe Vieira, dizendo que vai entregar ao parlamento "o acordo de reestruturação".

Mariana Mortágua resumiu que "o Novo Banco vai converter esses VMOC e vai tornar-se acionista da Promovalor", e que "quando toda a dívida do grupo for paga aravés do fundo Capital Criativo [antiga designação da C2 Capital Partners], se sobrar dinheiro, esse dinheiro irá para a Promovalor, e é dessa forma que O Novo Banco espera poder ser ressarcido dos 160 milhões que investiu".

"E dá", garantiu Vieira, dizendo que "o contrato é bem claro" e que "os ativos estão lá, bem claros, e todos eles têm valor". O presidente da Promovalor referiu até que "essa é a única via que tem para receber".

Luís Filipe Vieira já tinha sinalizado, durante a audição de cerca de cinco horas, que os VMOC foram "uma maneira de contornar uma situação de determinados empreendimentos que tinha de lançar mais rápido".

Os VMOCs "devem estar a vencer, se não for este ano é para o próximo", segundo Luís Filipe Vieira, acrescentando que "está feito um acordo de reestruturação" no fundo que adquiriu os seus créditos junto do Novo Banco.

Na audição, o deputado João Paulo Correia (PS) referiu-se a um relatório secreto do Banco de Portugal (BdP) que dava conta de uma exposição líquida da Promovalor de 208 milhões de euros e uma imparidade de 202 milhões nas contas do Novo Banco.

Relação com BES e Salgado era "completamente transparente

"A relação especial que eu tinha com o grupo BES era uma relação completamente transparente, já vinha do passado, de perto deles, mas curiosamente não era com ele [Ricardo Salgado] que eu lidava", disse hoje o também presidente do Benfica no parlamento.

"Houve uma aproximação mais de perto quando foi o financiamento do estádio da Luz. Por isso, os financiamentos que poderiam passar pelo Banco Espírito Santo eram os nossos operacionais, era o nosso diretor financeiro ou era com o Bernardo Espírito Santo ou com o António Souto que eram discutidos, e com o doutor Vítor Madureira, e depois era aprovado em conselho", respondeu ao parlamentar do PSD.

Questionado se se tinha reunido com o antigo líder do BES, Ricardo Salgado, "para discutir os seus negócios particulares e o financiamento às suas empresas", o empresário admitiu que sim.

"Se me perguntar se eu, por vezes, num jantar ou num almoço em que fosse convidado para estar, se falava como é que estavam os negócios, como é que iam ou não iam, logicamente que falava com ele", reconheceu.

"Mas isso não tem nada a ver com a parte da empresa e como é que ela funcionava", referiu o também presidente do Benfica.

[Notícia atualizada às 22h09]

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