No meio de uma pandemia, com o Presidente a ameaçar contestar os resultados, com dezenas de milhões de pessoas a votar antecipadamente (por correio e presencialmente) e com as sondagens a antever diferenças mínimas de vantagem em alguns Estados nenhum analista arrisca dizer quando se saberá quem vai ser o próximo Presidente dos Estados Unidos.
Por outro lado, nos Estados Unidos não há uma lei eleitoral nacional: cada Estado tem regras próprias e define os seus próprios cronogramas, seja para aceitar votos por correspondência e/ou antecipados, seja para definir os momentos da sua contagem ou para estabelecer formas de resolver casos de contestação.
O processo pode passar pelo Supremo Tribunal e acabar no Congresso onde, segundo a Constituição, deverá ser escolhido um Presidente, que tem de tomar posse em 20 de janeiro, nem que seja interinamente, que, em situação extrema, pode ser o/a líder da maioria da Câmara de Representantes ou, seguinte na linha de sucessão, o/a presidente ‘pro tempore’ do Senado.
Há vários meses que o Presidente Donald Trump lança suspeitas sobre a legitimidade do resultado final das eleições, alegando não ter confiança nos votos por correspondência, que este ano foram em muito maior número, por causa, entre outras razões, da pandemia de covid-19.
O Presidente e candidato republicano tem mesmo usado a expressão “fraude eleitoral”, pedindo aos seus apoiantes para estarem “muito atentos” ao processamento das votações e das contagens de votos, admitindo mesmo recorrer aos tribunais para esclarecer eventuais dúvidas.
Perante este cenário, ambas as candidaturas, republicana e a do democrata Joe Biden, criaram painéis de juristas para analisar e contrariar queixas que possam surgir no momento de avaliação final das eleições, antecipando um cenário de litígio nos tribunais.
Nas últimas semanas, várias dezenas de milhões de pessoas votaram por correio e começa aqui a primeira dificuldade para adivinhar a data em que serão conhecidos os resultados das eleições presidenciais.
A contagem de cada voto por correspondência implica mecanismos complexos, alguns deles desenvolvidos manualmente, e diversos Estados apenas iniciam a contagem a partir da terça-feira eleitoral (como é o caso de Pensilvânia, Michigan e Wisconsin).
O processo começa com a verificação do envelope que contém o voto, que tem uma barra de código que procura garantir que o mesmo eleitor não vota mais do que uma vez, a que se segue, em alguns Estados, o momento de verificação de que a assinatura corresponde aos registos.
Os boletins de voto são então enviados para ‘scanners’ que leem o conteúdo da decisão do eleitor, mas qualquer leitura deficiente devolve o documento para análise humana, antes de a contagem ser declarada oficial.
Em Estados cruciais para esta eleição presidencial de 2020, como Pensilvânia e Michigan, as autoridades já avisaram que este processo pode demorar vários dias, sem quererem comprometer-se com uma data.
Além disso, este processo pode ser contaminado pela contestação das regras de prazos de recebimento dos votos por correspondência, como está a acontecer na Pensilvânia e na Carolina do Norte, onde, na passada semana, o Supremo Tribunal permitiu que as comissões eleitorais ainda aceitem votos por correio que apenas cheguem vários dias após a data das eleições.
Os republicanos tinham contestado este apelo dos democratas, alegando que os atrasos eram da responsabilidade dos eleitores, pelo que as comissões eleitorais não deveriam ter de aguardar pela chegada de boletins com datas posteriores a terça-feira dia 03 de novembro.
Perante estes expectáveis atrasos, incertezas e indefinições, a ex-candidata democrata Hillary Clinton tem sugerido a Joe Biden para não conceder a derrota (se for caso disso) na noite eleitoral, ao mesmo tempo que o republicano Trump tem avisado de que deverá contestar os resultados se não surgir como primeiro nas contagens finais.
As empresas que controlam as redes sociais Facebook e Twitter já avisaram que, na noite eleitoral, não permitirão a nenhuma das duas candidaturas assumirem uma vitória até que os resultados sejam considerados oficiais ou pelo menos dois meios de comunicação considerados “de referência” o tenham anunciado.
“Temos de estar preparados para a forte probabilidade de uma eleição singular e em que será necessário demorar mais tempo na contagem de votos, para garantir a sua integridade”, avisou David Becker, diretor executivo de um organismo independente de observação do processo eleitoral.
Becker diz que, em alguns Estados, como Nova Iorque, a contagem final de votos por correspondência pode demorar algumas semanas e disse não ficar surpreendido se o resultado for contestado por uma ou ambas as partes.
Se o resultado for contestado, o processo de contagem pode ser repetido, como aconteceu na Florida, de forma relevante, nas eleições de 2000, entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore, atrasando o anúncio do vencedor, ou como em 2018, nas eleições intercalares, em que a contagem se prolongou por vários dias.
Em 2000, o processo foi arrastado até ao Supremo Tribunal, que demorou 36 dias até se pronunciar sobre a recontagem de votos, negando-a e dando, assim, a vitória a Bush.
Os especialistas consideram que este ano a probabilidade de contestação é muito maior, sobretudo por causa dos votos por correspondência, podendo prolongar o processo, em último caso, por vários meses.
A ‘deadline’ é a data da tomada de posse, marcada pela 20.ª emenda da Constituição para o dia 20 de janeiro: neste dia, um Presidente tem de ser empossado.
Mas, antes disso, o processo passa pelo Congresso, onde no dia 06 de janeiro os representantes, em nome do Colégio Eleitoral (o somatório dos Grandes Eleitores escolhidos em cada Estado), se devem pronunciar sobre quem será o Presidente.
Havendo contestação de resultados em alguns Estados, serão os elementos da Câmara de Representantes quem pode tomar decisões, caso a caso, sobre a composição do Colégio Eleitoral que determinará a maioria que elege o Presidente.
Se nos dias seguintes, e até 20 de janeiro, não houver uma clarificação política no Congresso, e enquanto decorrem novas votações no Congresso, o/a líder da bancada da maioria (que neste momento é a democrata Nancy Pelosi) poderá ser empossado/a como Presidente interino/a, por ser a terceira na linha de sucessão (depois do lugar de vice-Presidente, cuja escolha também estará condicionada).
Se eventualmente o líder da câmara de representantes não estiver disposto a aceitar o cargo passa-se para o quarto na linha de sucessão, o presidente ‘pro tempore’ do Senado, que neste momento é o republicano Chuck Grassley, escolhido para esse posto pelos seus pares, mas que pode vir a ser uma outra figura, se os democratas obtiverem uma maioria neste órgão do Congresso.
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