Nuno Caiado, numa declaração escrita à agência Lusa, sublinhou que as tomadas de posição do bispo Rui Valério sobre a questão dos abusos sexuais na Igreja são de “agora e antes”.

O novo patriarca de Lisboa deixou hoje uma palavra às vítimas de abusos por membros da Igreja, assegurando que partilha da sua dor e está apostado na “tolerância zero” preconizada pelo Papa Francisco para estes casos.

Na primeira mensagem que dirigiu aos fiéis do Patriarcado de Lisboa, o até agora bispo das Forças Armadas e das Forças de Segurança quis deixar vincada a sua preocupação com os casos de abuso na Igreja, que, na missa crismal deste ano, perante os capelães militares, qualificou como "um autêntico murro no estômago" perpetrado por "indignos membros da Igreja".

“Saúdo os irmãos e irmãs vítimas de abusos por membros da Igreja, meus irmãos; partilho da vossa dor e, juntos, vamos prosseguir, com esperança, no caminho da cura total do vosso e nosso sofrimento, da tolerância zero”, escreveu Rui Valério na mensagem divulgada hoje poucos minutos após o anúncio da sua nomeação pelo Vaticano.

Perante esta mensagem, Nuno Caiado lembrou que a questão dos abusos “não é o único desafio que [o novo patriarca] tem pela frente: há longos anos que a diocese permanece perdida, sem liderança e sem estratégia, pelo que a tarefa que tem pela frente é enorme”.

“Os católicos precisam de se repensar como Igreja e refletir seriamente sobre qual o seu papel na sociedade, e espera-se muito que se mobilizem nesse sentido. O novel patriarca terá aqui um papel relevante, ou não, dependerá dele mesmo e de quem ele convocar como colaboradores e conselheiros: gente nova e fresca que pensa para além da sacristia e dos rituais, ou a própria sacristia. No fundo, tudo depende disto”, acrescentou Nuno Caiado.

Já quanto ao bispo escolhido pelo Vaticano para suceder a Manuel Clemente à frente do Patriarcado de Lisboa, este católico considerou que “parece obedecer a um critério relevante: não ter anticorpos na comunidade eclesial, ao invés do que sucedia com outros nomes; por outro lado, trata-se de alguém pouco conhecido na diocese. Esta conjugação pode favorecê-lo na sua ação pastoral, dar-lhe espaço de manobra, em especial no rescaldo da Jornada Mundial da Juventude”, que decorreu na semana passada em Lisboa com a presença do líder da Igreja Católica.

“Diria também que a sua mensagem inicial é de esperança, parece abrir caminho para o diálogo”, acrescentou.

Nuno Caiado foi o primeiro subscritor de uma carta enviada à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) em novembro de 2021, na qual, com mais de duas centenas de outros católicos, defendeu que aquele órgão deveria “tomar a iniciativa de organizar uma investigação independente sobre os crimes de abuso sexual na Igreja”.

O documento, assinado por figuras como a escritora Alice Vieira, o deputado José Manuel Pureza, o jornalista Jorge Wemans ou o ex-presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, era perentório: “Se queremos manter um diálogo com a sociedade a que pertencemos e que servimos, não existe alternativa!”.

“Só a verdade nos permite um relacionamento livre e transparente com aqueles a quem a nossa fé nos convida a servir. Por isso, acreditamos que só uma investigação profunda e independente pode confirmar essa eventual excecionalidade da Igreja em Portugal. Se essa iniciativa não for tomada, receamos que a inação da CEP seja vista pela sociedade portuguesa como encobrimento”, advertiam.

Poucos dias depois, o pedopsiquiatra Pedro Strecht era nomeado pela CEP como coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja.

Esta comissão iniciou o seu trabalho no dia 11 de janeiro de 2022 e apresentou resultados em fevereiro deste ano, anunciou a validação de 512 testemunhos de alegados casos de abuso em Portugal, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas.

Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.

No relatório, aquela comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais “devem ser entendidos como a ‘ponta do iceberg’” deste fenómeno.

Na sequência destes resultados, algumas dioceses afastaram cautelarmente sacerdotes do ministério.