Fátima - nome fictício escolhido pela imigrante para preservar a sua identidade - parece ser a exceção: assegura que não tem medo de ser deportada e regressar a Portugal. A única coisa que espera é que "Portugal a receba de braços abertos, da mesma maneira que está a receber todos os imigrantes".

"O medo está instalado a 100% em todas as comunidades, não só portuguesa, mas também na brasileira, na equatoriana. Está instalado em todo lado", afirmou a portuguesa, que vive em Newark, no estado de Nova Jérsia.

"Eu acho que sou a única portuguesa que não está com medo. Se tiver que ir embora para o meu país, eu vou. Espero que Portugal nos receba da melhor forma”, disse à Lusa.

O motivo que leva Fátima a não temer as promessas de deportação em massa feitas pelo novo Presidente dos Estados Unidos é a crença de que os criminosos serão o foco dessas expulsões.

"A única coisa que fiz foi procurar um futuro melhor para a minha família. Emigrámos e aqui ficámos"

"Acho que estas promessas de Donald Trump se estão a direcionar simplesmente para criminosos e para quem tem ordem de deportação. (...) Em relação a crimes, não os tenho, não os cometi. A única coisa que fiz foi procurar um futuro melhor para a minha família. Emigrámos e aqui ficámos. (...) Se eu receber uma ordem de deportação, eu só tenho que obedecer e ir embora", acrescentou a portuguesa.

Na quarta-feira, Tom Homan, o responsável pelas fronteiras no novo Governo de Donald Trump, indicou que qualquer pessoa que estiver ilegalmente nos Estados Unidos poderá ser detida e deportada.

Contudo, explicou que, nesta primeira fase, os esforços estão concentrados "nos piores primeiro", referindo-se a imigrantes criminosos que representem uma "ameaça para a segurança" da sociedade e dos Estados Unidos.

Mas, na prática, a situação parece estar a decorrer de maneira diferente.

Na quinta-feira, a empresa de um português, localizada em Newark, foi alvo de uma operação do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), que, "sem qualquer mandado", deteve três funcionários.

"Nenhuma dessas pessoas era violadora, assassina ou criminosa”, assegurou o autarca de Newark, Ras Baraka, sobre as pessoas detidas nessa operação.

Newark, que acolhe uma das mais significativas comunidades portuguesas nos Estados Unidos, é uma das várias "cidades santuário" do país, onde existem leis locais e estaduais que protegem a população indocumentada e que acabam por ser um refúgio para quem não conseguiu regularizar a sua situação.

Fátima está nos Estados Unidos há cerca de uma década. Tal como muitos imigrantes, chegou ao país com o visto de turista e nunca mais saiu.

Hoje, mesmo sem um estatuto migratório regularizado, é empresária, paga impostos e emprega várias pessoas.

"Eu pago os meus impostos neste país. Portanto, se me quiserem deportar, sabem onde eu vivo, sabem onde é a minha empresa, sabem tudo. Eu tenho tudo regularizado, menos a minha situação migratória", frisou, em entrevista à Lusa.

Fátima tentou por várias vezes regularizar a sua situação no país, mas a resposta que recebeu foi que a única via seria através do casamento com um cidadão norte-americano.

Admite que conhece outras pessoas que estão "há 20 ou 30 anos” na mesma situação.

"Acho que chega a um ponto em que nós próprios já desistimos e esperamos por um milagre de uma reforma migratória", disse.

A empresária deixou Portugal para tentar dar uma vida melhor à sua família.

"Se nós tivermos que voltar para Portugal, eu espero que Portugal nos receba de braços abertos, da mesma forma que está a receber todos os imigrantes"

"Há que pensar positivo: eu não cometi crime nenhum, só vim procurar uma vida melhor para a minha família, mais nada. (...) Foi aqui que consegui. Portanto, se Portugal não tiver portas para nos abrir, obviamente o que nós vamos fazer é emigrar de novo", lamentou.

"Se acontecer mesmo essa deportação em massa – o que eu não acredito -, se nós tivermos que voltar para Portugal, eu espero que Portugal nos receba de braços abertos, da mesma forma que está a receber todos os imigrantes. Em Portugal, estão a receber toda a imigração. Eles (…) têm direito a tudo. Nós, na América, nunca tivemos direito a nada", argumentou.

Donald Trump garantiu na segunda-feira, no discurso de tomada de posse, que irá expulsar "milhões e milhões" de imigrantes ilegais, uma das principais promessas da campanha eleitoral, durante a qual prometeu levar a cabo a "maior deportação em massa da história" do país.

Há cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos, segundo estimativas do Departamento de Segurança Interna de 2022, o ano mais recente com dados disponíveis — embora Trump tenha afirmado, sem provas, que o número real é cerca do dobro.

O deputado do PS e antigo secretário de Estado das Comunidades José Luís Carneiro afirmou que a medida anunciada por Trump pode afetar 3.600 portugueses, sendo Portugal, a par da China e Espanha, um dos três países com mais ‘overstayers’, imigrantes que viajaram para os Estados Unidos com um visto de 90 dias e que excederam esse prazo.

 Os Estados Unidos repatriaram 69 portugueses em 2024, mais nove do que no ano anterior, segundo o relatório anual do ICE.

De acordo com o relatório, em 2019 foram repatriados para Portugal 101 cidadãos, 47 em 2020, 28 em 2021, 33 em 2022 e 60 em 2023.