Antes de 29 de março de 1998, chegar a Lisboa de Alcochete ou do Montijo, onde residem muitos trabalhadores que se deslocam diariamente para a capital, demorava entre uma a duas horas de carro.
Do Montijo, o trajeto para Lisboa era essencialmente de barco, mas de carro a solução era ir a Almada apanhar a Ponte 25 de Abril. “Levávamos cerca de uma hora, uma hora e tal”, sem filas, lembra Nuno Canta, presidente da Câmara do Montijo (PS).
Agora, “numa situação perfeitamente normal, em 20 minutos ou meia hora estamos em Lisboa", salientou Fernando Pinto, autarca de Alcochete (PS), realçando que a ponte trouxe aos residentes neste concelho "maior conforto financeiro, porque gastam menos combustível, e têm maior qualidade de vida".
Inaugurada a 29 de março de 1998, a Ponte Vasco da Gama, que liga as margens Norte e Sul do Tejo, conta com 17,2 quilómetros de extensão e representou um investimento de 897,8 milhões de euros. Ao longo dos anos, a Vasco da Gama conseguiu reconfigurar a relação entre a margem norte e a margem sul do rio; tornando-as mais próximas, unidas e dinâmicas.
A partir de 1998, existiu um “boom” populacional a sul do rio, levando os concelhos a duplicar a população em 20 anos. A ponte “trouxe-nos mais pessoas, mais investimento, mais emprego e obviamente maior desenvolvimento”, considerou Nuno Canta.
Apesar de muitos se terem radicado e criado emprego no concelho, a maior parte dos que vieram para o Montijo trabalham em Lisboa e “em empregos muito qualificados”.
“Até porque a nossa base, o chamado rendimento ‘per capita’ do Montijo, subiu exponencialmente após a ponte. Temos gente muito qualificada, a trabalhar em empregos muito qualificados em Lisboa, que depois tem rendimentos muito altos, que fez com que depois aumentasse o rendimento ‘per capita’ do Montijo. Somos já o quarto [concelho] ao nível de Lisboa”, afirmou.
“Eu tenho dito sempre que sempre que o Montijo se aproxima de Lisboa cresce, sempre que o Montijo se afasta de Lisboa, diminui. Essa tem sido sempre a sina da cidade, basta olhar para a história”, disse, realçando a ligação histórica centenária entre o seu concelho e a capital, através do rio.
Em alcochete, celebra-se o aniversário mas ouvem-se as críticas
Tal como no Montijo, também em Alcochete se considera que a Ponte Vasco da Gama é um "um marco da engenharia portuguesa", "um monumento da região de Lisboa" e "uma obra que orgulha”, como diz Fernando Pinto.
Porém, Fernando Pinto, autarca desde outubro, realçou que, apesar de muito positiva, a ponte também trouxe “preocupações acrescidas”.
Na Educação, como a população praticamente duplicou, “não houve dos anteriores executivos um acompanhamento no que diz respeito aos estabelecimentos de ensino que são responsabilidade da câmara municipal e até do Governo central”.
“No que diz respeito à Saúde a mesma coisa, um centro de saúde sem atendimento permanente, que tem uma equipa médica reduzida, com instalações a precisar de intervenção e que não acompanhou as necessidades do aumento da população”, destacou, somando ainda as condições dadas aos elementos de segurança.
A ponte “também trouxe mais tráfego e mais trânsito à cidade, além de ter de se conter o ímpeto urbanístico, o que no Montijo foi bem feito. Acho que temos uma parte mais ordenada que cresceu com a Ponte do que a parte que já existia”, aponta, por sua vez, Nuno Canta.
Tanto no Montijo como em Alcochete, a identidade das zonas não se perdeu com a aproximação com Lisboa, mantendo-se vivas as tradições e costumes locais. Por exemplo, no Montijo, os filhos dos residentes que vieram com a Ponte aprendem nas escolas a história e a cultura do concelho “para ajudar na sua ligação à terra”.
Vasco da Gama - 25 de Abril
Mais de 62 mil carros passam diariamente pela Ponte Vasco da Gama, número que está longe das previsões que justificaram a construção daquela infraestrutura sobre o Tejo, que há vinte anos une Lisboa a Alcochete e ao Montijo.
A Ponte Vasco da Gama falhou o objetivo principal de retirar carros à 25 de Abril, apesar do aumento do tráfego médio diário nos últimos anos, depois de um decréscimo nos anos da 'troika'.
Segundo dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), desde que a Vasco da Gama foi inaugurada, a 29 de março de 1998, o tráfego na ponte 25 de Abril apresentou sempre crescimentos anuais até 2007. Nem a inauguração do comboio na ponte, em 1999, retirou trânsito àquela infraestrutura.
Apenas em 2002 a Ponte 25 de Abril registou um decréscimo do tráfego médio diário (144.802 contra os 156.525 de 2001), mas no ano seguinte os valores voltaram a subir (150.753).
O tráfego na Ponte 25 de Abril começou a registar quebras anuais desde 2007 e até 2013, mas os dados do IMT mostram que o mesmo se passa na Vasco da Gama, pelo que os carros não estão a sair de uma ponte para irem para a outra e a resposta para esta diminuição pode estar na crise, no desemprego e no aumento dos combustíveis.
Segundo dados do IMT, a Ponte Vasco da Gama registou em 2013 um tráfego médio diário de 53.443 veículos, naquele que é o valor mais baixo desde o ano 2000, quando passaram diariamente por aquela ponte uma média de 51.969 carros.
No mesmo ano, a 25 de Abril registou 136.263 carros por dia, mas chegou ao seu valor mais baixo no ano seguinte, em 2014, com 135.602 carros diários. O número diário de carros nas pontes voltou a subir progressivamente de 2014 até 2017 (últimos dados disponíveis).
No último ano, a Ponte Vasco da Gama teve um Tráfego Médio Diário Anual (TMDA) de 62.435 carros e a 25 de Abril de 144.930 carros diários.
Estes valores ficam muito aquém do esperado há 15 anos, quando estudos apontavam para "um desvio natural" do tráfego da Ponte 25 de Abril para a Vasco da Gama - com portagens a preços iguais - de 15%.
Os estudos feitos apontavam ainda para um total de 25 mil automóveis/dia a circular na Ponte Vasco da Gama, numa primeira fase, e cerca de 132 mil veículos/dia no ano 2020. No ano em que foi inaugurada, a Vasco da Gama teve um tráfego médio diário de 34.210 veículos e o seu ano de glória foi em 2004, com um tráfego médio diário de 67.680 carros.
Além dos carros e do trânsito. A ponte enquanto palco de maratonas, corridas ilegais e uma feijoada recorde
Provas desportivas, corridas ilegais de automóveis e uma feijoada com inscrição no livro dos recordes foram alguns dos eventos que já passaram pela Ponte Vasco da Gama.
Ao longo dos anos, a Ponte tornou-se palco de eventos desportivos como a meia maratona de Portugal e a primeira edição do World Bike Tour, em 2006. O seu tabuleiro tem sido também a “pista” preferida para alguns automobilistas que ali fazem, com alguma regularidade, corridas a velocidades que podem chegar aos 280 quilómetros/hora, apesar da intensificação da fiscalização por parte da GNR.
Uma semana antes da inauguração, o tabuleiro da ponte foi palco da célebre feijoada que sentou numa mesa com cinco quilómetros cerca de 15 mil pessoas, promovida por uma marca de detergente para a loiça.
Na altura, 425 pessoas garantiram a segurança do evento e foram colocados 100 WC portáteis à disposição dos comensais, que foram transportados para a ponte em 200 autocarros da Carris.
A ponte foi inaugurada sete dias depois pelo então presidente da República Jorge Sampaio, numa cerimónia sem pompa, como quis o Governo, e abençoada pelo padre Vítor Melícias. Estiveram presentes os principais dignitários do país, entre cerca de 1.500 convidados, que percorreram a ponte de autocarro.
A seguir ao túnel sob o Canal da Mancha, entre França e Inglaterra, a ponte que liga Sacavém, na margem Norte do Tejo, ao Montijo, na margem Sul, é a maior travessia já construída na Europa.
A Lusoponte, um consórcio de empresas portuguesas, inglesa e francesa, ganhou o concurso para a concessão do projeto, construção, financiamento e exploração da nova travessia.
A extensão total da nova ponte é de 17,2 km, dos quais 10 sobre as águas do Tejo e os restantes em terra.
Ao longo do tabuleiro, de oito em oito candeeiros, estão instaladas câmaras de vigilância, de 400 em 400 metros há postos de SOS e de dois em dois quilómetros há zonas de abrigo de emergência.
A lápide negra
Os trabalhos para a construção da Ponte Vasco da Gama arrancaram em fevereiro de 1995, mas só no verão de 1996 começaram a ver-se os sinais de que uma nova ponte estava a crescer no Tejo.
Na obra foram utilizadas 100 mil toneladas de aço, 730 mil toneladas de betão e foram empregadas 150 vigas-tabuleiro pré-fabricadas.
A ponte tem uma esperança de vida de 120 anos, tendo sido projetada para suportar velocidades do vento de 250 km/h e resistir a um sismo 4,5 vezes mais forte ao Terramoto de Lisboa, em 1755.
Durante os trabalhos, que chegaram a movimentar 3.300 trabalhadores, registaram-se 11 mortos, entre os quais seis homens no grande acidente de 10 de abril de 1997, quando um carrinho de avanço caiu da ponte principal, desde uma altura de 45 metros.
Outros cinco operários morreram devido a quedas e, um deles, por eletrocussão. Outros dez trabalhadores ficaram feridos nestas obras.
Também duas crianças que brincavam numa vala com água e sem rede de proteção no local das obras morreram. Nove engenheiros da Lusoponte e da Novaponte foram acusados de violação das normas de segurança durante a construção da ponte e ilibados nove anos depois, num julgamento.
Na cerimónia de inauguração foi prestada uma homenagem aos 11 trabalhadores mortos, cujos nomes constam de uma lápide em pedra negra.
A Ponte Vasco da Gama custou cerca de 900 milhões de euros, 30% do valor foi comparticipado por fundos comunitários e 6% resultante das portagens da Ponte 25 de Abril. Hoje em dia representa muito mais que uma forma de deslocalização.
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