Nesta noite de sábado, uma coisa foi certa: todos os caminhos (ainda que entupidos de carros) foram dar aos Aliados. E Pedro Henrique e o pai estão quase lá. Foi o pequeno portista de 11 anos que fez força para irem à festa no centro do Porto. E o pai acedeu sem grande resistência: “Vim cá com o meu pai quando era pequeno e agora é a vez de trazer o meu filho. Para cumprir a tradição”.

Para que os Aliados fossem inteiramente dos portistas, campeões pela 28.ª vez, até as tradições académicas tiveram de ser ajustadas – a Monumental Serenata, que realizava em frente à Câmara do Porto, migrou para uma parte mais alta da cidade, a Cordoaria. Mas não foi em frente à Câmara que a festa aconteceu. Às onze horas, um mar azul e branco desceu a avenida. E o som desta onda é uma mistura de cânticos e buzinas de boca, que as crianças sopram sem parar.

“É o Marega! É o Marega!”

Pedro Reis, estudante de 19 anos, está dividido entre celebrações. Prova disso é o traje académico que traz vestido, que desta vez vem com um acessório especial: o cachecol do campeão. Para o jovem, esta noite de sábado é triplamente especial: “Ganhar hoje soube melhor porque é o dia da serenata, porque há Queima e porque havia uma sede de títulos muito grande.” E acrescenta: “Isto foi difícil, foram muitos anos a tentar convencermo-nos que era no ano a seguir. Mas, finalmente, penta só há um”. Sobre o protagonista do campeonato, o estudante não tem dúvidas – “É o Marega! É o Marega!”.

E a multidão concorda: “Ó Marega, ó Marega, ó Marega, vai chutar e vai marcar”. E sem tempo para respirar, segue-se: “O campeão voltou, o campeão voltou, o campeão voltou”. Cânticos sobrepõem-se a cânticos. E pouco importa se o tom ou o tempo está certo, desde que não se cante a meia voz.

Na estátua de D. Pedro IV, no fundo da avenida, vários adeptos faziam rodopiar no ar cachecóis e bandeiras. Até havia uma taça a ser levantada pelo grupo que festejava incansavelmente. E, cerca de 50 metros antes deles, já não sobrava muito espaço para o movimento. Petardos, foguetes, tochas, muito fumo. Neste festejo, não faltou nada. E os 12.º graus da noite, de repente, já pareciam 30.º. Resultado: também as camisolas começaram a esvoaçar como bandeiras.

“Há quatro ou cinco meses atrás encontrei o Sérgio Conceição numa bomba de gasolina e disse-lhe: ‘Em Maio, vou pintar o cabelo de azul e branco.’”

Ana observa a animação com alguma distância de segurança. É outra das adeptas que nunca faltou à festa dos Aliados. Mas desta vez, o visual é diferente: pintou o cabelo das cores do clube. Foi uma espécie de promessa, explica: "Há quatro ou cinco meses atrás encontrei o Sérgio Conceição numa bomba de gasolina e disse-lhe: ‘Em Maio, vou pintar o cabelo de azul e branco’”. A condição era, claro, se o Futebol Clube do Porto se sagrasse campeão. Algo que a adepta diz nunca ter duvidado.

Se é coisa que se comprovou nos Aliados é que não há limites quanto à idade para fazer a festa. Desde bebés de colo, a pequenas crianças de carrinho, não houve desculpas para faltar à festa. Dos mais novos e mais velhos, ninguém se deixou assustar pela confusão.

José, de 61 anos, está encantado com a vitória. Já é hábito vir ao centro da cidade quando o Porto lhe traz felicidades. Mas hoje é especial, explica: “Mesmo com as arbitragens da maneira que estavam. Contra tudo e contra todos, fomos campeões”. Por isso, é que a vitória é o momento “mais importante” do campeonato para este adepto de longa data. À sua volta, a multidão grita “campeões, campeões, nós somos campeões” – e os olhos de José ficam subitamente mergulhados em lágrimas. Com alguma timidez, explica: “Quem é que não está emocionado? Já vi o Porto a vencer muitas vezes, mas como desta vez não. Eles já queriam isto há muito tempo, mas não eram capazes”. Por isso, as horas tardias deste festejo não têm importância – “Agora só saio daqui quando acabar”, remata, enquanto levanta o cachecol ao alto. Há que gastar a voz no que interessa: cantar pelo clube.

“Penta ciao ciao ciao

E se, para uns, não há hora de despedida, para outros a hora de ir para a cama já passou há muito. Com um pequeno rapaz às cavalitas e uma menina mais velha pela mão, Luís é um dos muitos pais que fazem a festa com a família toda – miúdos e graúdos. É a primeira vitória do campeonato a que o seu filho assiste – ainda por cima com vista privilegiada. E, para o pai de 38 anos, esta oportunidade deve-se em grande parte a Sérgio Conceição, o quinto a sagrar-se campeão nacional pelo FC Porto como jogador e treinador: “Ele trouxe aquilo que nos faltava e aquilo de que tínhamos saudades – o espírito à Porto”. Tal como a maioria dos adeptos, acha que a vitória na Luz foi o ponto alto do campeonato. Mas Luís deixa as rivalidades entre clubes de parte: “Tirar o penta ao Benfica é indiferente, não interessa”.

Uma opinião que não é consensual entre a multidão, que de quando a quando faz ecoar uma adaptação da música ‘Bella Ciao’, popularizada pela série da Netflix ‘Casa de Papel’. Só que esta versão tem um destinatário especial, os benfiquistas. E o refrão é esclarecedor o suficiente: “Penta ciao, penta ciao, penta ciao ciao ciao.” O “E quem não salta é lampião...” é outro dos clássicos que põe toda a gente a tirar os pés do chão, ainda que uns mais timidamente que outros.

“Tirar o título ao Benfica é surreal. Eles achavam que já tinham o penta e afinal foi ‘Ciao ciao ciao’, foi à vida”. Quem o diz é Joana, uma adepta de 37 anos, que com um destemido sotaque nortenho se desfaz em elogios à equipa, ao treinador e ao presidente do clube: “É uma alegria, o Porto é uma nação, o Porto é a melhor equipa do mundo. O meu filho estava na minha barriga quando fomos da última vez campeões e agora é campeão e está aqui na festa”. “Não é, Bernardo?”, diz embevecida ao olhar para o rapaz. Entre o pontos altos desta época estão “ganhar no estádio da Luz e ganhar no Marítimo” – a festa nos Aliados é a cereja em cima do bolo.

Horas depois, à uma da manhã, a corrente fazia-se nos dois sentidos da avenida. Uns abandonavam para o descanso – até porque “amanhã há mais”, como se  ouve por entre a multidão. Outros, estavam mesmo a chegar. A noite é uma criança e isto ainda há de durar – a saudade já apertava. Mas as celebrações não acabam aqui. A festa com os jogadores faz-se no domingo, após o jogo frente ao Feirense. E, para a semana, a equipa é recebida por Rui Moreira, na Câmara Municipal do Porto.