O que é a Transnístria?
A Transnístria ocupa uma faixa de 4.163 quilómetros quadrados entre a margem leste do rio Dniestre na Moldova e a fronteira do país com a Ucrânia. A maioria dos 500.000 habitantes são russófonos (falantes de língua russa), apesar de os residentes se identificarem em termos étnicos como moldavos, ucranianos ou russos (neste último caso, cerca de 30% do conjunto da população).
A tentativa de tornar o moldavo na língua oficial da Moldova em 1989 alarmou as populações da Transnístria, que rompeu progressivamente os laços com Chisinau, a capital moldova.
A Transnístria foi autoproclamada uma república em 29 de outubro de 1990. Com capital em Tiraspol, ocupa cerca de 12% do território moldavo e garante 23% da produção industrial do país, para além do controlo das decisivas vias de transporte e gasodutos.
Por este motivo, a Moldova insiste em recuperar o controlo desta região independentista que nunca foi reconhecida por nenhum país, incluindo a Rússia.
Os combates intensificaram-se em março de 1992 e prolongaram-se até ao cessar-fogo de julho. No entanto, o conflito manteve-se latente até 1993, com os separatistas locais a garantirem apoio da Rússia.
No âmbito do acordo de cessar-fogo, um contingente de soldados russos (atualmente cerca de 1.500) foi enviado para a Transnístria com a função formal de estabelecer uma força de manutenção da paz. O contingente russo na Transnístria tem como objetivo controlar depósitos de munições e armazéns, e a sua aptidão para combate é incerta.
Desde então, a região insiste na separação da Moldova, ex-república soviética que declarou a independência em 1991. A Transnístria manteve muita iconografia soviética, incluindo a foice e martelo na sua bandeira. Mas, na generalidade, a região permaneceu pacífica.
Diferendos por solucionar
A parte russófona rejeitou a anexação da Moldova à Roménia, como pretende a sua população de origem romena. Um desacordo que provocou a guerra civil de 1992, com um balanço entre 700 e 1.500 mortos, de acordo com diversas fontes.
O frágil cessar-fogo de 21 de julho de 1992 previa a concessão de um “estatuto especial” à Transnístria em troca da sua renúncia à independência, mas a região continuou a defender os seus objetivos, enquanto a Moldova insistia na integração das duas regiões separadas pelo Dniestre e acusava a Rússia de ser a instigadora da independência dessa faixa territorial, com Moscovo a insistir no seu “estatuto especial”.
O que aconteceu em finais de abril?
Entre as regiões de “conflitos congelados” da ex-União Soviética, esta longa faixa territorial do leste da Moldova tem sido a mais estável das últimas três décadas.
No entanto, as recentes explosões registadas em Tiraspol fizeram aumentar os receios de um alastramento da guerra na Ucrânia a esta região fronteiriça. E um novo conflito seria um sério desafio para a Moldova, um dos países mais pobres e com um dos mais frágeis exércitos de toda a Europa.
Na segunda-feira, 25 de abril, diversas explosões atingiram o edifício do Ministério da Segurança do Estado. O edifício estava vazio devido aos feriados da Páscoa ortodoxa e não foram registados feridos. Fontes oficiais disseram que os ataques foram efetuados através de lança-granadas foguetes (RPG). Na manhã de terça-feira, duas explosões num centro de radiotelevisão da localidade de Maiak provocaram elevados danos em duas poderosas antenas. As ações não foram reivindicadas.
O presidente da autoproclamada República da Transnístria, Vadim Krasnoselsky, referiu-se a “três atentados terroristas”, sugeriu que as ações foram efetuadas a mando de Kiev e apelou na terça-feira à instauração de medidas de segurança antiterroristas e a um alerta vermelho” durante 15 dias, incluindo a instalação de postos de controlo à entrada das cidades. Foi ainda relatado um ataque “numa unidade militar” em Parcani.
As autoridades russófonas têm mantido uma calculada ambiguidade em relação à guerra na vizinha Ucrânia, por recearem consequências catastróficas para a sua região no caso de envolvimento militar, e quando se agrava a situação económica na região devido às restrições às importações impostas pela Moldova.
O Governo moldavo entende que o objetivo destes ataques consistiu em originar um “pretexto para reforçar a situação securitária” na região separatista, que escapa ao seu controlo, mas disse não detetar qualquer sinal de uma ofensiva iminente da Rússia nesta região.
“A nossa análise é que existem tensões entre diferentes fações no interior da Transnístria (…). Estes atos de escalada provêm de forças no interior da Transnístria, que têm interesse em desestabilizar a situação na região”, considerou a Presidente Maia Sandu após uma reunião com Conselho de Segurança Nacional. Recordou ainda que a Moldova é um “Estado neutro” e pediu que o seu estatuto seja respeitado. A Moldova não se juntou às sanções ocidentais contra a Rússia decididas após a invasão da Ucrânia, mas a tensão na Transnístria constitui um grave problema para o pequeno Estado balcânico.
A Rússia tem ambições nessa região?
A Rússia não reconheceu a independência da Transnístria, ao contrário do que sucedeu em outras regiões separatistas como a Ossétia do Sul, Abkházia ou as regiões do leste ucraniano de Donetsk e Lugansk, no Donbass.
O reconhecimento destas regiões ocorreu após a Rússia e a Geórgia se terem envolvido numa guerra, ou como justificação para a invasão da Ucrânia em fevereiro.
O regresso do conflito na Transnístria pode alterar os cálculos políticos do Kremlin. A política de segurança da Rússia determina que tem o direito proteger as populações de “origem étnica” russa em todo o mundo. No entanto, alcançar o objetivo de controlar todo o sul da Ucrânia, em particular a costa do Mar Negro, incluindo o importante porto de Odessa, implicaria significativas batalhas. Os soldados russos decerto que se iriam deparar com grande resistência, mas uma ofensiva a partir desta região facilitaria a conquista da próxima e estratégica cidade de Odessa, junto ao mar Negro.
Em paralelo, analistas têm admitido que a Ucrânia poderia conquistar rapidamente este enclave, devido à pouca preparação dos soldados russos aí estacionados. Mas caso a Rússia conquiste Odessa, a região separatista seria integrada nos territórios ocupados pelo Kremlin na Ucrânia, com funestas consequências em todo o país.
A Moldova é constitucionalmente neutral, e por esse facto a Rússia não pode argumentar que o país pretende aderir à NATO para justificar uma invasão, como o Presidente russo Vladimir Putin fez com a Ucrânia. Mas uma expansão em direção à Moldova permitiria à Rússia garantir presença junto às fronteiras da Roménia, um Estado-membro da NATO. Em 16 de março, o território da Transnístria foi declarado “sob ocupação pela Rússia” pela Assembleia parlamentar do Conselho da Europa.
O caminho em direção à independência
Em 1 de dezembro de 1991 a Transnístria realizou eleições presidenciais e independentistas, não reconhecidas pela Moldova nem pela comunidade internacional, que elegeram Igor Smirnov para a presidência.
Quatro anos depois, em 24 de dezembro de 1995, foi eleito um parlamento bicameral com 67 deputados e organizado um referendo constitucional, com 81% de apoios à Constituição independentista.
A Transnístria voltou a desafiar a Moldova no escrutínio legislativo de dezembro de 2005, ao qual concorrerem dez partidos, todos pró-independentistas, incluindo os principais rivais, República e Renovação.
Um referendo de 17 de setembro de 2006, sobre a incorporação na Rússia ou na Moldávia, registou um avassalador “sim” (97%) pela anexação à Rússia.
Na sequência da invasão militar russa à vizinha Ucrânia, em 24 de fevereiro passado, o parlamento moldavo declarou o estado de emergência face ao receio de que a Rússia mobilize os seus soldados estacionados na Transnístria para apoiar o assalto à cidade de Odessa, situada a menos de 100 quilómetros.
Mais de 20.000 toneladas de armamento soviético permanecem na Transnístria desde o final da Guerra fria.
Em 5 de março, após a Moldova ter solicitado formalmente a adesão à União Europeia, as autoridades da autoproclamada República da Transnístria pediram o reconhecimento da sua independência.
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